Domingo, 14 de Outubro de 2012

Vontade de viver

Desconheço se é por adubamentos em falta, por não ter tempo para falar com plantas, se por pujança do calcário na água ou sobejo de cloro, mas a verdade é que lá em casa não frutificam árvores das patacas. O único supervivente vegetativo que sobrevém fotossinteticamente à minha inépcia será um cacto fortuito mais caprichoso.

A minha fonte de rendimento é, unicamente, o trabalho o que oblitera, visivelmente, os meus rendimentos.

A juntar à labuta contraproducente e à desflorestação da varanda, soma-se a minha incapacidade para a poupança que só é comparável à facilidade com que deixo escapar fundos por entre os dedos.

 

Às vezes tenho a nítida sensação de que o dinheiro foi uma invenção para que continuo impreparado. Sou incapaz de lhe dar a volta pois, nitidamente, não resulta comigo. Não fui incluído no projecto nem constei do esboço. Estou aquém do desígnio. Faço parte das excepções, das contra-indicações. Ou, pelo menos, até hoje não compreendi o conceito.

Há anos que percebi que nunca conseguiremos manter uma relação séria. Sempre de costas voltadas, incapazes de partilhar o mesmo espaço, dividir o mesmo leito e ter contabilidade comum.

O litígio deu origem a divórcio, sem possibilidade de reconciliação.

 

Podia procurar frases batidas que jogassem a meu favor mas, a verdade é que o meu problema em relação a poupar dinheiro é que embora perceba a necessidade, não vejo como. Há um corte epistemológico entre o “porquê” e o “como”. 

 

Tenho esperança de que um dia acorde enfartado e a não precisar de comer, a odiar beber, a não ver necessidade em andar vestido e ler, pronto para dar filhos para adopção e de proventos salvaguardados.

Um dia em que não sonho com carros com porção de cavalos suficientes para abrir uma coudelaria ou anseios gourmet.

 

Percebo que sozinho não vou conseguir, pelo que a opção é acabarem-me com as vontades ou tudo quanto corteje intenção e objectivos próprios.

Operem-me. Arranquem-me o hipotálamo à bruta. Violentem-me o tálamo. Despedacem-me o hipocampo. Limitem-me as circunvoluções cerebrais. Fiquem-me com um hemisfério com opção para dois lobos. E vendam-me tudo quanto seja neurónio.

Aproveitem para arrebatar o resto. Vive-se bem sem pulmões e rins. Fígado, logo veremos! Levem-me pernas e pés para não ter de desembolsar dinheiro com calçado.

Estou determinado. A gente arranja-se com pouco se se puser a isso. E sem vontade de comer, beber, de me vestir, de cultura descurada, sem filhos e casa, as dificuldade económicos ficariam resolvidas. Acabar-se-iam as minhas lamurias acerca de impostos. Nunca mais ninguém me ouviria falar em escalões de IRS. Terminariam as preocupações com o IMI. Estaria de acordo em relação a mais austeridade. As agências de rating seriam minhas amigas. E o governo independentemente de qual teria, sempre, o meu apoio não obstante as medidas. Seria, sem dúvida, uma pessoa melhor. Preferível, pelo menos. Andaria mais leve, sem necessidade de usar carteira e porta-moedas.

 

Salvem-me! Acabem-me de vez com os egoísmos das vontades. Apetecer é desnecessário. Querer é pouco vantajoso. Desejar, ambicionar, aspirar, pretender é inútil. Mais do que isso é escusado e supérfluo.

Quem vegeta não desembolsa porque não come, não bebe, não lê e não precisa de filhos.

Jejum, desidratação, perda de hábitos de leitura são a minha estrada para Damasco. O meu roteiro para o aforro. Serei o sem-abrigo, maltrapilho, sem amigos e filhos com quem gastar dinheiro, amealhando e de punhos cerrados e dentes à mostra contra a vontade amputada. Progressos contabilizados em côdeas, lêndeas, meias sardinhas, arrobas por consumir e volumes por ler.

 

Não será fácil. Prevejo amuos, arrufos e agastamentos. Urgências de mudança e renúncia a hábitos antigos. Mas, estou preparado para a briga e já vejo a conta bancária a aumentar. Dilatando de economias. Novos cartões de crédito exclusivos à vista. Já estou com o livro de cheques preparado.

 

A vontade é forjada, maquinada, fabricada, criada, engendrada só para nos arruinar economicamente. É atrevida, afoita, insolente, desaforada, rabiando constantemente com o bom-senso. Pesa-nos no bolso. E faz-nos errar escolhas.

Quanto mais cedo o percebermos melhor.

Ponham-na de castigo. Puxem-lhe as orelhas. Cortem-na aos bocadinhos. 

Pensando bem, o melhor será tirá-la toda. Arranquem-ma. Incinerem-na. Façam-na desaparecer.

Certifiquem-se antes de lhe voltarem as costas de que foi, completamente, extirpada!

Mas, já agora, deixem-me um restinho. O que é necessário para querer viver.

publicado por Carlos M. J. Alves às 14:54
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Segunda-feira, 8 de Outubro de 2012

Ovelhas negras precisam-se!

"É um povo pacato, que aceita pacificamente as coisas desde que tenha esperança", afiançou, angustiado,  mas sem apanhar ninguém de surpresa, Ramalho Eanes sobre os portugueses, por altura  das comemorações do 5 de Outubro. 

Pergaminhos antigos por culpa dos quais nada caiu na lama.

 

Independentemente do ângulo, o português é pacato e bem-intencionado. Aceita pacientemente, amocha, aguenta-se.  

Iludido, é sossegado, ordeiro, pacífico e bonzinho. Ganhou fama de não estrebuchar, não dar estrilho [por troca directa com a esperança?!].

Capaz de ser bom aluno, de comportamento exemplar, acomoda-se na carteira do fundo para passar despercebido e cala sem consentir, por culpa dos seus brandos costumes.

Mesmo no maior dos desagrados ferve em banho-maria. Rabuja em silêncio. Para dentro.

Vai na onda e alinha com o resto do rebanho. Um cordeirinho que se põe a jeito para os lobos esfaimados à espreita. Ou que acaba, inocente, no matadouro.

Pelo bom jeito o português deixa-se ir ao sabor da melodia. Habituado a afinar sempre pelo mesmo diapasão, trauteando entusiasmado a música de sempre.

Não é de dar murros na mesa ou de a virar. Tem temperamento de monge tibetano.

 

O português encolhe-se cabisbaixo. Definha sitiado, vivendo em regime de aceitação geral do descalabro reinante. Não se acobarda e é capaz de suar a camisola, mas resigna-se. Não precisa de mais mundos novos, já deu os que tinha a dar. Ocupado a arrumar a casa, Portugal não lhe pertence até pagar as contas. Mas tem costas largas, pele grossa e lombeira de Atlas para o suportar.

É contido nas revoluções, não é insurrecto por natureza, mas por necessidade. Acredita, pueril, até ao fim, contido, não por defeito, mas feitio. 

Não é “povão”, é Zé-povinho. Não é chocante dizer que se fica pelo manguito e abdica da contestação organizada.

 

Pelo menos andam convencidos disso e muito mais. Dão-no como garantido. E aproveitam-se. Acodem pela pacatez geral. Elogiam-lhe a submissão. Castigam o comportamento económico adolescente que os próprios propiciaram. Desesperam ante a possibilidade de mudança. Os demagogos, os miserabilistas, sabujos, os que nos entregam sem luta, os defensores de mais do mesmo, do cortar a direito, os vencedores de ocasião, especuladores do erário público, adoradores do memorando, os que nos representam pelo melhor soldo, os que nos delapidam, os que acham que manifestação sonora não passa de zumbido.

 

"O povo português revelou-se o melhor do mundo", constatou elogioso o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, para estupefacção das bancadas parlamentares que se lhe opõem. Em que pensaria quando o afirmou? Na  pacatez habitual?

 

Desenganem-se. O povo português sente-se. É filho de boa gente. Sofre. Lança maus-olhados  à troika e, caso se justifique, chega a vias de facto com quem o maltrata. Cospe azedume pelos que o desrespeitam e aperta os gasganetes aos cretinos que o menosprezam. Gosta que o ouçam. Detesta orelhas moucas e cabeças enterradas na indiferença.

 

Portugueses somos todos nós: aqueles a quem lançam areia para os olhos, os que acabam sempre a pagar, precários, a prazo, fora da validade, enxovalhados, empurrados para fora, tributados, desfeiteados, cortados, desempregados, falidos, hipotecados. Descendo, ruidosamente, orgulhosos, avenidas e transbordando nas praças. Convencidos de que a esperança é uma coisa que nos impingem para nos manterem calados. Descontentes, atulhados de promessas e fartos de ser bonzinhos. As alcateias foram surpreendidas pela força dos acontecimentos. 

 

Desiludam-se os que acham o povo português pacato. O português que se resigna é o mesmo que se agiganta ao sentir-se desprezado. O português saturado de austeridade, de se ver tratado como Zé-povinho, distraído do essencial, embalado por conversas de circunstância e discursos inúteis, já não se contenta com manguitos, agita-se, aflito das costas, atarracado, com escolioses insuportáveis de um mundo pesando-lhe em demasia e  apercebe-se que isto só lá vai com ovelhas negras, escapando ao grupo e balindo desalinhadas. Um povo de lusíadas intrépidos que tomam por zézinhos.

Tudo o resto é conversa de político. Fiem-se!

 

O tempo é de ovelhas negras. Fora do trilho. 

Essa é pelo menos a minha esperança. Mas, não será a de todos?

publicado por Carlos M. J. Alves às 21:02
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Sexta-feira, 24 de Agosto de 2012

Se não há amor como o primeiro, o que dizer da prática conduzir à perfeição?

Frases feitas quem as não usa? São uma tentação feroz que, facilmente, nos alicia e a que, irreflectidamente, nos rendemos. 

 

Uma frase feita não inova. Inferioriza, repisa e não serve para reforma. Com ela o mundo não pula nem avança. Estagna. É um desperdício de tempo. Embora, também, sirva para o ganhar. Não dá em nada. Ou adianta muito pouco. Dar-lhe atenção é favorecê-la. Um desmazelo.

 

Em relação  a frases feitas há as que são verdade, mas, também, há as outras, as mais perigosas, as que são só meia. Exigem um cuidado redobrado, para o qual não existe sinalética.

 

Por regra, a frase feita fixa-se e transmite-se por processos parasitários de acomodação. São uma retórica repetitiva. Para gente pouco corajosa e ávida de comodismo. 

 

A frase feita tem fôlegos de felino e expediente de profissional da propaganda médica. Permanece. Já deu provas e depois ficou a viver de rendimentos. É uma velha glória. Uma estrela jarreta a polir os óscares ganhos e a viver por conta do antigamente.

 

Podíamos falar indefinidamente sobre elas. Frases feitas há muitas! De todas as épocas e proveniências. Para todas as necessidades e de todos os géneros. 

São inocentes, ou não? Bem, isso depende da perspectiva.

São um engodo. Acha-se. Isso é certo. Suspeita-se. É fácil cair nelas. Aliás,    os gostos não se discutem e  há gente para tudo. Perdão! Que exagero. Dúvidas houvessem… Já risquei! Não voltarei a usar mais nenhuma frase feita, embora esteja consciente de que quando menos esperamos... Digamos que a excepção confirma a regra. Pronto, pronto, adiante... evitemos as picardias.

 

A seu favor? As frases feitas sustentam expectativas. Alimentam a falta de imaginação e não exigem investimento.

 

Contra si? O que têm para dizer é insuficiente. Não acrescentam. É chover no molhado. Na melhor das hipóteses confirmam. E servem, habitualmente, propósitos básicos de quem, ainda, tem menos para dizer. Ficam-se por insinuações. Dispõem e disponibilizam informação limitada. Comunicam pouco sobre as coisas. Mas, muito sobre nós. Pelo menos mais. Ilustram um perfil. Nesse pouco que dizem quando não dizem, exclusivamente, de nós afiançam:

 

Não há amor como o primeiro

 

Será? Não escondo a minha desconfiança.

Abrisse eu uma excepção para uma frase feita e diria que:

 

O primeiro milho é dos pardais

 

Então, não há amor como o primeiro? Fosse isso rigoroso e estávamos todos casados com o anjinho de asa anafada que se sentava, confidente, na berma da secretária da professora que parecia ter o exclusivo da eau de toilette bien être de 500ml. Aquela a quem se surripiava os totais das divisões na escola primária e se lançava ais enamorados. A que nos conquistou, inocente, as fronteiras sentimentais em estruturação e passou a salto pela veia cava e aurículos acima, esburacando ventrículos e depois todo o nosso coração, até este não passar de um queijo suíço impróprio para consumo. Lívidos. Logo desde o primeiro dia de aulas, amarfanhando-nos, zombeteira, a sintaxe amorosa irremediavelmente.

 

Quem quer correr o risco de ficar com a joia resplandecente que aos seis anos dava todas as garantias potenciais de se transformar numa Audrey Hepburn e que acabou uma matrafona da pior espécie de marroquinaria? Uma crisálida arrepiando caminho de borboleta, directamente, para traça.

 

O primeiro amor é um risco. Uma página para virar rapidamente. Anos mais tarde em encontro fortuito respira-se de alívio por se ter passado ao próximo. Confirma-se que se acredita numa coisa e depois sai outra. Vá lá acertar! Pior do que não saber ao que se vai é não adivinhar como é que fica. 

 

Felizmente não levámos a sério a frase feita e fomos tacteando inseguros as cercanias, incitando-nos com um "Next!" mental.

 

Não há amor como o primeiro?

Não me parece. Sobre o primeiro amor alardeamos uma apoteose falsa.

Para o primeiro amor ninguém está preparado. Ao segundo, em plena convalescença, já se sabia ao que se ía. O terceiro já conta com a experiência do par anterior. Mas, o primeiro... serve de preparação ou ensaio. É a volta de aquecimento.

Com o primeiro amor engasgamo-nos em pasmo. É um gole traiçoeiro.

Com ele o impacto é imprevisível e de tal ordem que não se tira tudo a limpo. Esse é, aliás, o maior problema. Como afirmar que não há amor como o primeiro quando houve pormenores que nos escaparam, situações de que nem nos apercebemos, embaraços que podiam ter sido evitados, compromissos que eram escusados. Cilindrados pelo encantamento e ultrapassados pelas circunstâncias.

 

Só concebo alguém dizer que não há amor como o primeiro se especular que a partir desse momento foi a desgraça, a miséria, uma desigual e infrutífera continuidade, incomparável com o arrebatamento inicial. Quanto aos restantes mortais, penso que só podia progredir.

 

Não há amor como o primeiro?

Não me fio numa frase feita. Não serve para nada. Não é um bom avaliador e, muito menos, assegura largada tranquila. É um passo atrás.

Em relação às questões do amor, em especial. Uma frase feita carece de prática. 

No que me diz respeito, acho que me fico pelo último. É a opção mais acertada.

Lamento a frase feita mas, reconsiderando momentaneamente, quem ri por último ri melhor.

Além do mais, XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX. Desculpem! Acho que já perceberam a ideia geral. Poupo-vos a mais uma frase feita.    

publicado por Carlos M. J. Alves às 08:11
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Terça-feira, 7 de Agosto de 2012

Receita para reinventar a roda

Uma ideia nova é um knockout incontestável ou se não florescer é, irrepreensivelmente, pelo menos, um valente soco no estômago. É um avanço. Mas, exige labuta, não é generalizável a todos os palatos. Esconde-se. Atormenta. Não resulta à primeira. Faz pouco da gente. Esquiva-se e consome-nos até acertarmos. Problema recente? Não. É assim desde o começo do mundo, onde se manifestar política e artisticamente o engenho humano.

 

Mas há o caminho fácil. Qual? Bem, tem onde escrever? Aponte! Fazemos melhor do que limitarmo-nos a responder, deixamos a receita.

 

Embora tudo possa ser personalizado, de início pega-se em toda a falta de imaginação que se conseguir reunir. Exagere. Utilize porções generosas. Nada de pruridos e falsas modéstias. Persiga uma tradição de gente sem ideias. Pense, sem escrúpulos, no já pensado, tentando colmatar o colmatado e/ou completar uma tarefa já preenchida. Angarie referências!

 

Apanhou? Tenha consciência de que o ponto anterior remete para consistências várias, mas apresenta preferencialmente viscosidade ministerial e opacidade de secretaria ou fundação. Em certos círculos toma, também, a designação de pelouro [Maioritariamente, onde atinge dimensões mínimas]. Seja audaz! Saiba identificar o que mais o favorece e agarre-se a isso.

 

Continuamos? Note que se exigem mãos hábeis e esforçadas para metamorfosear um Déjà vu num projecto ambicioso. Esteja atento! A história está repleta de redundâncias, siga os bons exemplos. Confira [Para sua consideração alvitra-se o tópico serviço público.].

 

Não se deslumbre, primeiro marine. As precipitações pagam-se caro e às vezes são irreversíveis. Pode parecer irrelevante, mas casos há em que antes do arranque tudo fica a marinar durante longos períodos. Em caso de indecisão, confira sempre.

 

Certo? Não se precipite. É sabido que o homem sonha e a obra nasce, mas antes é necessário pôr as mãos na massa. Não comece sem a ter onde deve permanecer até à conclusão do empreendimento: do seu lado.

 

Ora, é certo que os recursos variam, mas não fique pelo q.b.. [Consulte, para inspiração, a documentação sobre os estádios de futebol para o Euro 2004] Ouse. Vá onde ninguém ainda foi. Experimente. Pise território virgem. Esbanje se assim o entender. Não se preocupe com orçamentos. Afinal, trata-se do trabalho de uma vida. Consumir desnecessariamente meios pode no futuro demonstrar-se ter sido a opção preferível (para si). E, acima de tudo, vá provando.

 

Mais uma coisa… Fique pelo evidente. Pelo que deu provas. Essa é uma regra de ouro. Evite polémicas! A motivação adequada é a de construir sobre o já construído embora no final, segundo os especialistas, se sobreponha ao vazio inerente uma sensação gostosa de missão cumprida.

Até ao final é imprescindível imprimir uma dinâmica masturbatória constante e enérgica a fim de as coisas não azedarem. Caminhos sinuosos não são recomendáveis nesta altura.

 

Até aqui tudo bem? Atente que a confecção deve ser feita, lentamente, para não chamuscar. Dar para o torto é o pior que pode acontecer. [Nesta fase sugere-se descrição. Ela nunca é demais. Os olhos devem estar postos noutro lugar e não sobre si. Um bode expiatório pode resultar muito bem.]

Um reparo do chef: em caso do caldo dar mostras de estar para entornar ou, simplesmente, engrossar aconselha-se o uso excessivo da palavra “estrangeiro” seguida da expressão “já foi feito no estrangeiro” e /ou alemães. [A título de gosto pessoal sugerem-se amiúde referências à diáspora económica, educativa e cultural nórdica. Os anglo-saxónicos também acompanham muito bem. E lembre-se nunca abuse dos chineses!].

 

O grand finale aproxima-se! Registe até os pormenores mais insignificantes, serão, extremamente, úteis.

 

Se durante o decurso da preparação se entrever que as coisas não vão resultar, deixe convalescer e aplique convictamente um soporífero banho-maria.

 

Reinventar a roda é a consequência final se respeitarmos tempos, indicações e não cairmos no engulho de desbaratar fases. Se o conseguiu dê-se por satisfeito. A partir daqui as coisas só podem melhorar para si.

    

Para a opinião pública tudo pode ser sinónimo de perda de tempo, mas não para si. Não se queime! Nada de passos em falso que colocam tudo a perder! Reitere a convicção de que deu o melhor e que a sua divisa é bem servir.

 

Seja forte! Será acusado de tudo. De uma espécie de plágio, com um estranho gosto a novidade requentada, com actualizações mínimas, desnecessárias ou contraproducentes. De um upgrade falhado, caríssimo. De voltar a obra já feita, que não acrescenta, não resolve. De um caminhar sobre pegada prévia. Dirão que é cortar a meta depois do vencedor e achar que podem existir dois primeiros lugares. Que foi jogar pelo seguro. Repisar. Repita, peremptório, para si: “bárbaros”. E avance corajoso, enquanto volta a provar para confirmar a excelência.

“A roda por si só basta!”, acusarão metafóricos.  

Não comente ou diga, modestamente, que tem consciência que difícil foi inventá-la.

E, no final do processo, saciado, deixe-os K.O..

Não há dúvida de que ficaram bem servidos!

 

Conseguiu?

Pelo menos, tomou nota de tudo?

Desfrute, afinal, foi você que pagou.

publicado por Carlos M. J. Alves às 13:27
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Quarta-feira, 1 de Agosto de 2012

Parece mal, mas sabe bem

"Parece mal um homem não saber lavar uma camisa, quase tanto como uma mulher não saber pregar um botão", ouve-se dizer.

"Parecer mal" é um comboio prestes a descarrilar, uma preocupação de quem não quer cair nas bocas do mundo. Quantas vezes o "parecer mal" arvorou uma qualquer donzela de saia galgando as rótulas à condição de rameira? Ou converteu um brinco desprevenido, em lóbulo indevido, em toxicodependente? Reconheceu alcoólico ante a azeitona avizinhando-se do Martini? E efeminizou uma cor mais garrida?

Em seu nome, fustigado, preso num arrastão violento telepático e sem ética de "já viram isto?!" já se desistiu de usar... de frequentar... de ter prazer em... de ser visto a... proibiu-se, perseguiu-se, evitou-se como se de peste se tratasse e houve quem acabasse manietado ou olhado de esguelha.

 

O "parecer mal" é impositivo. Insinua-se. Impinge, constantemente, a sua presença. Uma sensação permanente de que não devíamos. De estarmos, constantemente, a ser espreitados. Um olho gordo colado ao que fazemos, publicitando a apologia do "Mais vale não..." e acabando num terrível e arrependido "Soubesse eu o que sei hoje e...".

Leva-nos a melhor sempre que abdicamos ou  a nossa vontade claudica. É um passo atrás.

Deixa-se de experimentar, de provar, de arriscar, de ousar. 

Cobra mundos e fundos. Por "parecer mal" muito beijo ficou por dar, muito amor por consumar e muitas decisões foram diferentes do apetecido.

 

Em contrapartida, faz-se pela certa e joga-se pelo seguro, com a convicção de que evitamos cair em apuros (irreais?!). Vive-se na suposição da existência de um Cogito desconstruído, rarefeito na boa-vontade e maldizente: Pensam, logo mal (de mim).

 

É sempre menos. O “parecer mal” imobiliza-nos. É uma bunda pesada que nos atrasa a chegada. Não fosse o parecer mal e a distância percorrida por nós seria a de várias voltas ao mundo.

 

"Parecer mal" é uma hipocondria dos bons costumes. Uma doença arrebatadora, mas que começa de mansinho e se torna uma obsessão.

É, pelo menos, uma preocupação.

Aponta o que não é próprio (?!).

Desgosta.

É andarmos de saltos agulha para ficarmos ainda mais em bicos de pés, disfarçando a voz como quem pede um resgate sempre que queremos dizer o que pensamos e o "parecer mal" nos veta a iniciativa.

 

O "parecer mal" é um ir a medo, sempre preparado para o pior. Enfrenta-nos. Enfastia-nos. Mas não conseguimos resistir-lhe ou dizer-lhe que não. É contra-producente. Faz-nos perder o lugar na fila. Abdicar.

Ganha-se pouco. Pelo menos um tiro certeiro no porta-aviões, ricocheteando em mais metade da nossa frota, estrategicamente estacionada na nossa batalha por aquilo que queremos.

 

Certamente que nalgumas situações já hesitou. Olhou à sua volta, ponderou, fez contas, pensou mais uma vez, achou que talvez fosse melhor reconsiderar e não fez, porque podia parecer mal.

 

Ter medo que pareça mal é ficar-se pela opinião dos outros. É ceder. Limita opções. Consome-nos. Atormenta-nos.

 

A verdade é que tomamos como garantido que "parece mal" repetir, ao jantar, quando somos convidados em casa de alguém. Ou comentar que a carne está demasiado seca e que não havia necessidade daquela dose extra de caril.

Certas cores e opções, também, são de excluir.

"Parece mal" não vestir de preto por morte de familiar próximo.

"Parece mal" olhar para o chão como se procurássemos alguma coisa.

"Parece mal" usar calças de bombazina e dizer que não se aprecia Mozart.

Etc., etc.

 

 Aqueles a quem parece mal nem sempre são conhecidos. Não dão a cara. Escondem-se. Ou então, dão-se ares. E também não se sabe quantos são, de que vivem e como o fazem.

 

Felizmente, com o tempo passou a haver menos coisas a “parecer mal”, mas algumas nunca mudam. Logo que “parecer mal” é mais do feminino do que masculino, por exemplo.

 

“Parecer mal” é uma carga de trabalhos. Óptima a fazer infernos. A atitude certa deveria ser a de: " Peraí, até pode parecer mal, mas e então?", compensada com um arrogante "E depois? Não devo nada a ninguém! Quantos são?".

 

Relativamente ao parecer mal todos somos inocentes até prova em contrário. E quem quiser que se dê ao trabalho de demonstrar o inverso.

Porque em relação ao "parecer mal", vale mais concentrarmo-nos no bem que sabe.

publicado por Carlos M. J. Alves às 10:11
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Domingo, 22 de Julho de 2012

Os pais vivem para sempre

Doce, salgado.

Vermelho, verde.

Um a dizer sim, outro a dizer não.

O norte sempre em direcções opostas.

Os dois errando. Provavelmente como sempre acontece. Pais sendo pais e filhos sendo filhos.

Mas as diferenças a desaparecerem ali por responsabilidade da doença. Passados tantos anos. Os dois a melhorar aos olhos de cada um, à frente de toda a gente. A aproveitar a oportunidade. Mudanças imperceptíveis para os outros. Pela primeira vez o norte a não nos confundir.

Os dois percebendo, finalmente, que a história não tem que ser má só porque tem alguns capítulos menos conseguidos.

 

O seu nome a ouvir-se nos altifalantes, mandando-o para a triagem. Enquanto percebemos o medo um no outro. Sem nos conseguirmos enganar. Resignados. A ouvirmos na nossa cabeça comentários antigos: " Não podem negar que são pai e filho". Iguais. No mesmo norte recente. Ele dizendo que está tudo bem e eu que vai ficar. Confortando-nos. A trocar frases batidas. A dizer pela enésima vez que é desta que tudo vai passar. Consentindo a mentira que nas Urgências dá pelo nome de esperança.

 

Ambos apanhados. Renunciando à lógica. Solidários com as lágrimas dos outros.

Eu a querer ouvir o habitual, que o não sei-quantos teve uma coisa parecida e que ficou bem. Cada caso sendo um caso. A concluir que quando é com os nossos tudo é diferente. Aliviado por não ser maligno. Respeitando-lhe o sofrimento e garantindo-lhe que sei que as dores são suas, que não me esqueci que dói.

Sem me lembrar desses dias, mas sentindo-o a levantar-me no ar orgulhoso. Sem precisar de dizer um ao outro que gostamos. Em silêncio. Eu a dizer à enfermeira e aos médicos: "Eu sou o filho".

A desejar conquistar a pulseira vermelha para ser mais rápido.

A minha mulher a poupar-me. Eu a confirmar-lhe, mais uma vez, que sei que dói, mas que tem que insistir. A tentar pô-lo bem-disposto, invejando-lhe a morfina: "Bem dividida dá para os dois!". Ele sorrindo às metades. Porque nem ele se sente inteiro. 

 

Aproveito para olhar para as suas mãos, recordando-me que ele sempre as teve grandes. Mas acho que isso acontece com todos. Os pais têm mãos grandes e vão viver para sempre. Certo?

Apesar de, ultimamente, as mãos do meu pai já não serem tão grandes como costumavam.

As suas dores afinando com as dos outros. As forças a escaparem-lhe. As horas a passarem:

 

" Vai ter que aguardar um bocadinho". 

 

Raio X. TAC. Análises.

 

" Vai ter que aguardar um bocadinho". 

 

Sala 3. Cá fora a luz vermelha acesa.

 

Radiações

Não entrar quando a luz estiver vermelha

 

Não abrir!

Sala de trabalho

 

Um televisor marca Sanyo desligado. Cadeiras velhas. Mais um caixote do lixo cheio de pacotes de sumos de fruta daqueles que se levam para evitar quebras de tensão e fraquezas. Conseguiria chegar, facilmente, ali de olhos fechados. A minha mulher a poupar-me.

Não há dinheiro. Não há tempo. Eu a dizer: "Eu sou o filho".

Eu não dando parte de fraco, sem vacilar, justificando as dores insuportáveis. 

A ler tudo à nossa volta como se a nossa vida dependesse disso:

 

5 de Maio dia mundial da higiene das mãos

 

Planta de emergência

Você está aqui

 

Extintor E-6P Standard

Referência 005059

 

Em condições de responder a qualquer pergunta sobre o espaço circundante.

Capaz de salvar a vida a todos: especialista em regras de segurança e higiene hospitalares. 

Apavorado com a ideia de os pais poderem não viver para sempre. A prometer-me que penso nisso depois. A repetir para me distrair:

 

 

5 de Maio dia mundial da higiene das mãos

 

 

A não aceitar que as mãos do meu pai estejam mais pequenas. Isso eu não posso aceitar! Mas vou aguardar um bocadinho. Enquanto isso elaboro uma nota mental:

 

 

Avisar que o Extintor E-6P Standard, referência 005059, que está no corredor onde é a sala 3, tem a validade a terminar.

 

 

Oito horas depois saímos com novas esperanças. Eu sem ter dado parte de fraco. Preparado para a próxima chegar às salas dos exames de olhos fechados.

As melhoras a todos!

 

 

 

P.S1: Passou bem a noite. E está animado. Continua a não querer dividir a morfina, mas os sorrisos já são maiores. O norte, esse, continua no mesmo lugar. E eu estou cheio de vontade de o levantar no ar, orgulhoso.

 

P.S2: Não era preciso isto tudo para confirmar que gostávamos um do outro.

publicado por Carlos M. J. Alves às 11:56
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Domingo, 15 de Julho de 2012

O eterno esplendor das manhãs de Domingo

 Neste preciso momento, um pouco por todo lado, por muito diversificadas que sejam as actividades a estarem a ser desenvolvidas por pessoas mais ou menos imaginativas e com mais ou menos recursos, milhões de indivíduos estão ocupados com o mesmo que eu: aproveitar a sua manhã de Domingo. O momento em que a humanidade mais está unida.

 

As manhãs de Domingo são uma incógnita controlada. Um X com possibilidades conhecidas, embora como é do conhecimento geral [e se há coisa que a política nos ensina é isso], prometer seja fácil.

 

Podemos defini-las como a melhor justificação para o resto da semana. Apresentá-las como o último recurso para perante as exigências habituais se escrever direito por linhas tortas. Usar os comentários semanais do professor Marcelo Rebelo de Sousa para as situar. 

 

As manhãs de Domingo são a redenção. Tranquilas. Habitualmente uma zona livre de stress ou onde os seus índices de emissão são mínimos. Um bilhete premiado. Apesar de correrem o risco de como tanto se espera de si acabarmos numa atitude destrutiva de "gosto tanto de ti que te tiro os olhos". 

 

Houve um tempo em que as minhas manhãs de Domingo cheiravam a torradas e a café acabado de fazer. 

Começavam tarde. Lentas. Acordando, contrariado, pelos cães da vizinhança. Questionando os gostos musicais do vizinho que os pôs em pranto. 

Serviam de purga porque tinham ainda fumo, de sábado à noite [de quem são próximas], agarrado à roupa caída pelo chão. 

Eram importantes para lamber as feridas. Para encetar recuperações. Fazer as contas às noites perdidas. Dando luta às olheiras. Arejando. 

 

Agora as manhãs de Domingo continuam a cheirar a torradas e a café acabado de fazer. Mas também cheiram a eau de toilette do Noddy. E são mais despachadas. Nesta altura do ano, se o tempo estiver bom a Paula Teixeira da Cruz na capa do i e às turras com a justiça acaba emborralhada em areia por uma criança de 4 anos encarregue de me convencer que não é preciso interromper uma bela manhã de praia para ir almoçar [baseado em factos verídicos].

Nesta fase,também servem para encher a despensa. 

Dão para aprender mais sobre a natureza, nos documentários matinais da BBC e National Geographic.

Limpam o pó. Lavam o carro. 

E hoje como ontem, estimulam-nos a pôr em forma.

 

As manhãs de Domingo mudam connosco. Incapazes de voltar atrás. Passando de um modo one-night stand para modelo familiar. Mas continuam esplendorosas. 

Na maioria dos casos e das vezes, têm direito a banho prolongado. A fazer a barba sem pressas. E a jornal. A engonhar. São, definitivamente, o melhor da semana.

Não servem para tomar decisões. Não é tempo para isso.

Não se pensa em taxas extra  ou subsídios.

Não havendo outra hipótese inevitavelmente acabam. Isso é o que têm de pior.

São uma instituição que presta serviço público. Não desmerecendo os feriados, claro. Que devem ser respeitados até pela raridade de que enfermam actualmente.

Existem na medida certa. Para serem devidamente apreciadas. Mais seria pecado [dos originais].  

São  o que nos dão força para  a segunda-feira para não falar no que se lhe segue.

Raios-nos-partam se conseguiríamos viver sem as manhãs de Domingo.

 

Em qualquer dos casos, como quando estiver a ler este post a sua manhã pode já estar esgotada e ter já os olhos postos na próxima, resto de bom Domingo.

publicado por Carlos M. J. Alves às 10:15
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Terça-feira, 3 de Julho de 2012

Tirar a barriga da miséria

A beleza cansa e a perfeição não dá jeito nenhum. São, claramente, uma maçada.

De gancho. Exigentes. Julgam-se importantes. Embirram com o andar desarranjado. Mandonas. Não admitem perder a compostura. Sair desfraldado. Cabelo desgrenhado. Não dá para ter barriga. Mandam-nos o ar desleixado às urtigas.

 

Todas as minhas dúvidas acerca da natureza do belo e do sublime se acentuam a cada nova época balnear. Momento que marca o início de, em termos mais populares, cada bucha ansiar por passar a estica. Reclamando para si (obsessivamente) um corpo deslumbrante. Ansiosos por reinar no areal e ter sobre si uma miríade de olhos.

Entre 1 de Junho e 30 de Setembro de cada ano, duração da época balnear, multiplicam-se os efectivos de homens e mulheres exercitando-se frenéticos, como coelhinhos da Duracell. Adelgaçando. Rejuvenescidos do pescoço à barriga-das-pernas. Estômagos em alvoroço. Oferecendo-se, voluntariamente, aos voyeurs. Vivendo sob o mote Life’s a SPA.

Sem terem presente Yeats:

 

I heard the old, old, men say 'all that's beautiful drifts away, like the waters.'

 

A cada nova passada no areal encolho a barriga repreendido pelo belo aristotélico, seguindo critérios de simetria, composição, ordenação, proposição, equilíbrio; pressionado pela proporção, harmonia e união platónicas.

 

As minhas preocupações balneares são, claramente, mais filosóficas do que com os escaldões. Mais exigentes do que a simples escolha adequada do factor de protecção solar.

 

Em cada duna há um David acompanhado de uma Vénus lendo os êxitos literários de Richard Bach, observando-me desdenhosos. Sou, constantemente, censurado por um Doripohoros bronzeado que aproveita para repreender, com o olhar, a palidez de uma Sylvia Plath próxima, enamorada pelo nadador salvador supondo-se em Baywatch.

 

O que me custa na magreza dos outros é que ela exige a minha. Reclama-a. Como se dissesse: «só sou se também fores». Recaindo sobre mim uma desconfiança equivalente à reunida por Dominique Strauss-Khan. A minha liberdade acaba onde começa a dieta do outro.

Em relação a esta, o melhor a fazer seria decretar a sua inconstitucionalidade. Ilegalizá-la. Erradicá-la com uma forte campanha de vacinação. Um movimento de descontentes sob a égide «vítimas das dietas de todo o mundo uni-vos», lutando pelo seu fim.

 

Não me incluo num certo California dreamin’ de tríceps, peitoral e bíceps vigorosos bamboleando salinizados à beira-mar. Muito senhor do meu nariz.

Em termos estéticos, também, estou completamente desenquadrado de qualquer consideração presente em obras como o Hípias Maior, O Banquete e Fedro, de Platão, a Poética, de Aristóteles, a Crítica da Faculdade do Juízo, de Kant e os Cursos de Estética de Hegel.

A minha linha estética assume-se mais no “Boterismo”.

As minhas opções são mais gastronómicas e isso nota-se. Gaspachos, migas e rojões acumulados. A aparência não ilude.

O meu físico sobressai mais em ambiente de biblioteca. O meu potencial é mais cerebral do que corporal. As minhas possibilidades são virtuais de um ponto de vista estético tanto em baixa-mar como em preia-mar. Uns furos abaixo de uma realidade desejável. Para lá da salvação via lifting ou botox em aplicações de Photoshop.

 

Na melhor esplanada da praia avalio, habitualmente, a elasticidade e o empenho dos quarentões com cabelo à Jon Bon Jovi, das entusiastas das danças exóticas, mais os infiltrados do hip-hop, dissidentes com t-shirts dos Motörhead e seleccionáveis para a ginástica de trampolins. Expelindo scones, bolas-de-berlim, ensopados e açordas da cintura. Escorraçando calorias. Aformoseando silhuetas. Deserdando o remanescente. Preparando-se para a passadeira vermelha.

 

De bandeira içada ao desmazelo grito para dentro do balcão: «era mais uma dose, se faz favor. E já agora, mais pão que o molhinho está uma delícia.» Época inteira para «o melhor que se leva da vida é o que se come e o que se bebe». Honrarias para uma primavera pueril descontinuada. Um “deixa andar” folgazão.

 

Com a idade devíamos poder desleixar-nos. A barriga como direito assumido e não controlado. Ela marca, aliás, uma diferença. Redonda. Honesta. Parece dizer: «há mais de onde essa veio». Encolhendo os ombros quando confrontada. À insustentável leveza dizendo: «não, obrigado!». Indiferente. É a assunção máxima da liberdade. Em terra de magros quem tem barriga deveria ser rei.

Mas não? Ou é pela saúde ou porque fica mal… Todos os anos me sinto na obrigação de também eu ter de ser um Apolo, quando a minha índole é mais dionisíaca. Mas, a cada nova tentativa apago-me. Entre uns abdominais firmes e uma barriga cheia não hesito. A escolha é clara: entre as 220,57 kcal ganhas numa porção de amêijoas à Bulhão Pato e as 240 kcal perdidas com musculação forte ou as 200 kcal com ginástica aeróbica, prefiro o ganho à perda. E sempre se honra o poeta e escritor português Raimundo António de Bulhão Pato.

 Depois repouso durante 30 minutos com o que consigo perder aproximadamente 30 calorias e junto-lhe um beijo que rende outras 30. O que sobrar fica por conta e a cultura sai valorizada!

 

Felizmente a estética também pode ocupar-se do ridículo. O que, de alguma maneira, faz com que tudo faça sentido.

 

Confirmem-me só que a época balnear acaba a 30 de Setembro. Hoje levantou-se uma aragem desagradável aqui no Pólo Norte. Desfraldado, de rins à vela, é melhor não arriscar nenhuma corrente de ar e regressar.

publicado por Carlos M. J. Alves às 12:54
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Sexta-feira, 29 de Junho de 2012

O passado não é para ter presente

Afinal, em que ano é que estamos? Esqueçamos o que aprendemos com kant sobre o tempo. E já agora o espaço. O passado é uma realidade à parte. Com características próprias. Uma lógica distinta. O passado é revivalista. Avança à caranguejo. Dois passos ao lado até ao ano daquela namorada. Três atrás até ao nosso melhor ano no liceu, que coincidiu com a saída daquele disco e a exibição daquele filme. Quatro ainda mais atrás quando fomos pela primeira vez a….

 

Se em divagações letárgico-melancólicas fecharmos os olhos enquanto fazemos variar, debaixo dos dedos, as frequências radiofónicas, perdemos o norte temporal, hesitando no ano em que nos encontramos. 60, 70, 80 serão décadas privilegiadas.

O presente parece incómodo. O passado 2.0, em doulby surround, versão tecnicolor está aí. E leva preferência.

Regista-se um aumento exponencial de programas e estações vendendo barato a ilusão de que numa aparência Goodbye, Lenin!, tudo permaneceu igual enquanto envelhecíamos. O mesmo sucede com a televisão, internet e moda. E tudo o que se possa alimentar do “houve uma altura em que eu”.

 

Habituámo-nos a reler a nossa revista preferida extinta há um quarto de século e recuperada para a blogosfera. A rever episódios das nossas séries favoritas do tempo do VHS, no YouTube. A ouvir como novidades absolutas hits de um top ten de 1979 numa rádio a viver da nostalgia alheia.

Podemos estar facilmente em 20 de julho de 1969 e na eminência de fazermos, em directo, parte da audiência que escutará: That's one small step for man, one giant leap for mankind.

O passado não passa.

É um cão raivoso que nos agarra as pernas sem intenção de as deixar. A diferença é que voluntariamente lhas oferecemos, sem vontade de o ver largá-las. Porquê? Bem, o passado é apetitoso. Vende. Um tempo de heróis. Sebastiânico. De posters, colheita revista Bravo nº1568, na parede. Exagerado. Interpretado e reinterpretado por nós. Dificilmente corresponde à realidade. Uma jukebox recheada de sucessos. É um tempo não vivido. Aldrabado. Idealizado. De abundância. De leite e mel. Marcando só os dias que nos interessam. Tem pouco para não gostar.

 

Toda a gente tem fotografias com um grupo sorridente de indivíduos com ares de finalista e de quem precisa de um estômago novo em sítios como Lloret Del Mar ou equivalente.

Convivas entoando refrões I Just can´t get enough em êxtase king of the dance floor. Episódios guardados, surpreendentemente, com saudade. E essa é a razão por que a internet se transforma no equivalente a uma gigantesca sala preparada para receber bodas de casamentos ou festas de baptizado a preços baratuchos só que para convívio género reunião Amigos de Alex. Adultos com responsabilidades procurando informação sobre os seus queridos anos de esplendor, 80 ou outros. Entrando numa cápsula do tempo que faria a inveja a Júlio Verne ou H. G. Wells à procura de reminiscências retro à base de episódios do Marco e Tom Sawyer recuperados para os filhos, mais interessados no Gormiti, mas percebendo a importância de se manterem disponíveis para o downgrade.

Aproveitando a ligação em rede para saltar de computador em computador de modo a andarem para trás no tempo, convictos de que “no meu tempo é que era bom”. Até atingirem a paragem pretendida: 1984, 85, 86… de Sanjo acabados de comprar e penteado New Romantic. Passeando-se por uma galeria de imitadores anacrónicos. Ali vai um Jim Kerr em pose Don’t you Forget about me. Olha um Boy George armado em karma Chameleon.

Claro que os tempos são outros e os Simple Minds andam em Tour ‘5x5 Live’ tipo greatest hits, em palco, para saudosistas. E Boy George vai saltando de dependência em dependência, acumulando penas e trabalho comunitário obrigatório.

 

O passado não devia deixar saudade. Evitava as figuras tristes. Infelizmente, como isso não acontece, todas as épocas regurgitam, na ressaca dos tempos de glória, Elvis com peso a mais.

Quando Madonna canta em Coimbra na sua MDNA Tour, Papa Don't Preach, carrega toda a gente para 1986. E ninguém se importa. O mesmo se diga de Bruce Springsteen no Rock in Rio-Lisboa em que se estava em qualquer ano, menos 2012.

Até Sean Penn no papel de uma estrela rock reformada, em This Must be the Place, de Paolo Sorrentino, se inspirou no Robert Smith de Boys don’t cry.

 

Um revivalismo próprio de quem acha que perdeu alguma coisa importante que esteve na sua posse, ou não está contente com o que tem, mas que pode muito bem de alguma maneira ainda recuperar circula pelo ar. Um universo paralelo, onde as pernas de Tina Turner não saíram prejudicadas pela celulite. E Bryan Adams, por quem os anos não passam, continua interessado em Run to You.

Todo um sortido à base de rádios, publicações, vestuário e calçado, filmes e internet para inadaptados do tempo presente. Gulosos pelo antigamente. Conjugando, satisfeitos, pretéritos. Patinando no seguir em frente.

 

Com tudo isto sobram poucos para o dia-a-dia. O quotidiano é uma rua da baixa sem moradores. É preciso coragem para viver no presente. Mais agora com a crise.

Em todo o caso, acho que se tivermos em mente o Livro do Desassossego, o problema ficou muitos anos antes resolvido por Fernando Pessoa:

 

Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho.

publicado por Carlos M. J. Alves às 11:23
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Quarta-feira, 20 de Junho de 2012

A Selecção somos nós

Volvidos alguns dias posso admiti-lo publicamente. Tenho dúvidas de que o pé que marcou os golos contra a Holanda tenha sido o de Ronaldo e não o meu. Riem-se? Só porque estava a largos quilómetros de distância? Não é do meu feitio teimar, mas estou convencido. Poder contar com isso e com os meus efeitos por fora, contorcendo-me no sofá, foi fundamental para o resultado final. Mais as vezes que roubei a bola ao adversário enquanto recarregava o pires com pistácios. Ninguém me prova o contrário. Sempre que a bola apareceu ziguezagueando na área fui eu quem me fiz primeiro ao lance. Perplexos?

 

Não há repetições e comentários que me demovam. Além do mais, futebol é a gente poder opinar. É mais bater no ceguinho do que embarcar em falinhas mansas. De água mole em pedra dura. Acusar «o que é que você sabe disso?» serve de argumento. Trocar jogadores sem perceber nada do assunto é num plano, meramente, teórico possível. Dar palpites, sem ter de perceber, também. Sem experiência. Porque sim. Bem como não dar conta de coisas que nos deviam entrar pelos olhos.

 

Futebol é futebol. Tem pouco de certeza. E clareza. O resto é a vida. E o futebol não é a vida. Não é como ela. Se não, não precisávamos dele. Já a tínhamos a ela. Bastava-nos.

O futebol não é a vida. Só faz parte dela.

Tem pouco de lógica. Pelo menos não consta que Aristóteles jogasse à defesa, fosse bom no jogo aéreo ou óptimo na conversão de penalties. O cálculo proposicional, também, serve de pouco no um para um. E o princípio da não contradição parece-me em tudo isto de somenos importância.

 

O futebol é uma coisa nossa. E essa é a razão para não ser a equipa que joga mal. Somos nós. A equipa não vence. Ganhámos! Não se desconcentra. Desconcentrámo-nos! Só há uma excepção. A vitória é nossa.

Só a derrota continua a ser do treinador. E a culpa é do árbitro. Duas, pronto! Quem é que está a contar?

É assim desde os bancos da escola. Sei do que falo. Passo a demonstrar!

Aqui há dias encontrei um antigo colega numa loja de bricolage e decoração. Daqueles que têm tudo. O melhor guarda-redes da escola primária. O que perdia em elasticidade devido ao problema que tinha nas pernas inertes compensava com as muletas que funcionavam como membros extra, imunes a qualquer regra dos organismos que fiscalizam o futebol mundial.

Numa célebre tarde consegui a proeza de lhe marcar três golos, o que me valeu um porta-chaves, premiando previamente a compra de um detergente para a roupa de uma mãe e ali o meu desempenho magnífico. A sorte não vem sempre. E nós acabámos a levar a taça. E eu saindo em ombros. Aspirante a campeão.

Penso que quando me viu franziu o sobrolho angustiado por essa tarde. Ainda tinha o resultado presente. Desforra por concretizar.

Vinha carregado de ripas, estacas, pregos, tinta e rede. Segundo explicou, preparava-se para construir no jardim traseiro da sua casa uma baliza para o filho que vinha consigo pela mão e perpetuaria o seu nome nos anais do futebol escolar onde se validavam os golos mais pela força das circunstâncias do que por tocarem as malhas inexistentes das balizas.

 

Nunca mais consegui marcar três golos. O meu futuro não estaria no futebol.

Mas garanto que os dois golos contra a Holanda são meus. Quase que lhos garanti a ele quando o vi transportando a baliza em construção. Sei que duvidaria. Vingando, assim, os três por perdoar.

 

A Selecção somos nós. Razão suficiente para nunca perder um jogo. Podem sempre contar com a minha ajuda. Pronto para a assistência. Serei certamente um dos primeiros a oferecer-me para a barreira. Podem contar comigo para os livres, cantos e lançamentos. Posição fixa. Trocando de lugar. Centrando. Rematando. Marcando em cima. Jogando de início. Ficando no banco. Escolha habitual ou arma secreta.

 

Não perco um jogo da Selecção.

Às vezes os resultados também ajudam.

 

De qualquer maneira, para finalizar, o Rui Patrício que me perdoe, mas penso que um par de membros extra seriam de aproveitar para a Selecção. Por mim seria de arriscar.

Eu e ele ficaríamos, finalmente, de contas saldadas.

Mas é só a minha opinião. E eu numa boa tarde consigo marcar-lhe três.

publicado por Carlos M. J. Alves às 10:02
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