Neste momento, é muito provável que haja teses de mestrado sobre a blogosfera lusa e em alguma se encontrará um dendrograma com a filogenia de todos dos blogs. Não a tendo lido, imagino que no tronco comum da blogosfera em que o Sinusite se inscreve encontraríamos o blog A Coluna Infame, da autoria dos três magníficos, e reconheço no ano de 2003 o nosso Câmbrico, aquela explosão de diversidade que não mais se voltaria a repetir e que condicionaria irreversivelmente toda a evolução futura, ao ponto de se pecar por defeito quando se afirma que o blog A Causa foi Modificada é o melhor até agora, por se tratar logicamente do melhor blog de sempre. Em 2003, já havia o blog político, o blog literário, o blog intimista, o blog da estrela mediática, o blog erótico, o blog caluniador, etc. Todos os papéis e modelos estavam claramente definidos: o blogger e o comentador, anónimos ou não, o blog individual e o blog colectivo. Os blogs tinham necessariamente nascido, mas também já havia óbitos, bem como a figura mista do blog nado-vivo, porventura o mais frequente. E as empatias foram coincidentes com as embirrações e logo seguidas das zangas. Depois de 2003 não aconteceu mais nada cuja substância não fosse apenas uma alteração de grau, pois todas as qualidades tinham sido inventadas. A chegada dos bloggers aos jornais e a dos jornais à blogosfera são acontecimentos que nada acrescentam à essência do meio, tal como, nos blogs colectivos, os processos de cristalização (no duplo significado de afunilamento de ideias e de aumento do efectivo), de gemulação, cisão e colapso são dignos de registo, mas apenas correspondem a uma institucionalização das pulsões que já andavam à solta em 2003. Daí que, embora umas das duas discussões que marcaram 2003 esteja datada (a Guerra do Iraque), a outra seja recorrente (o metabloguismo) e se regenere sem nunca perder a actualidade, alimentada por aquele mesmo entusiasmo fundador que - como alguém notou - fazia Catarina Furtado falar da sua gravidez como se fosse a primeira mulher a passar por isso. Este texto, naturalmente, é apenas mais um exemplo.
Num sketch que vi há muitos anos na televisão francesa, faz-se uma flash interview a um pugilista, que fala como um intelectual estruturalista. É um fillão de humorismo conhecido: a surpresa que vem da junção de uma natureza e um discurso incompatíveis. Nesse sentido, o metabloguismo não deveria ter graça nenhuma, pois trata-se de uma emanação directa da blogosfera. O post sobre blogs é, quase sempre, um post sublimado sobre o próprio blogger e não há nisto nada de surpreendente, pois os bloggers são criaturas narcísicas, pelo menos de um ponto de vista - digamos - estatístico. Não faltam dados a esta tese. Por exemplo, os dois mais importantes exemplos de metabloguismo, apesar de diametralmente opostos no fôlego e no estilo, são da autoria de Luís Carmelo, cujo banner não engana, e de Pacheco Pereira, cujo método de conhecer por dentro (Esquerda, PSD, Media, blogs) para depois descrever como se estivesse de fora resulta mais de uma limitação imposta pelo seu narcisismo do que de uma opção consciente. Paradoxalmente, o que tende a suceder com o metabloguismo, e cada vez mais, pois aproximamo-nos da impossibilidade teórica de um discurso original, é que a hiperbólica compatibilidade entre o blogger e o seu discurso cria um instante ainda mais cómico do que o boxeur francês, pois resulta num humor involuntário, o tal em que se tempera a fruição com a irresistível malícia. O metabloguismo, sobretudo quando ensaia uma deontologia (que uso dar ao poder que vem do anonimato, como lidar com os arquivos, que regras de citação seguir, etc.) na ressaca de um dos casos concretos que periodicamente agitam o meio, vem sempre com a mistura de leviandade e desejo de ser levado a sério típicos de uma RGA ou assembleia popular. Se faço esta comparação é para realçar o elemento comum: a plateia. A blogosfera, no fundo, é um Big Brother de e para pessoas com pretensões intelectuais - o que se confirma pela importância desmesurada que damos a este meio, socialmente irrelevante, pelo guilty pleasure que sentimos por não estar a ler outra prosa e até por casamentos, divórcios e um eventual pontapé na cara. De modo que só há duas atitudes maduras perante os cortes de relações (aqui confesso seguir o método de Pacheco Pereira), as zangas, as traições e os elogios públicos que abundam na blogosfera, plenos de pequeno calculismo e sempre esplendorosos: tratá-los como enredo de telenovela ou como enredo de sitcom. Antes rir, creio, mas é uma opinião pessoal. E antes assumir o papel de personagem, pois na óptica do praticante o Big Brother perde para o Último a Sair. Daí o meu fascínio pelo João Miranda e pelo Carlos Vidal. São personagens absolutamente blindadas e que não nos aborrecem com a intromissão permanente do seu carácter no enredo. Um faz de autómato ultraliberal e o outro é um pró-estalinista adorador de Badiou, ambos pairando sobre o terreiro onde somos vítimas das armadilhas do humor involuntário, pois quando os leio sinto-me na presença de um humor que é voluntariamente involuntário ou então involuntariamente voluntário, mas não pode ser uma terceira coisa. Talvez neles falte uma pessoa, mas essa é a única forma de garantir que jamais nos enganarão.
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