De maneira que aqui chegámos, ao nosso querido mês de Agosto. Invariavelmente, por aqui tudo pára: o empresário mais inovador, o boémio mais tradicional, o artista mais empenhado. No nosso país - e em tantos outros lados que não me dão jeito nenhum agora citar -, Agosto é um mês de Portugal interruptus. Tudo o que não funcionava antes ou tardava a chegar tem finalmente os seus trinta e um dias de desculpa oficial. Não há crise que o destrua,pânico que o debele: Agosto é Agosto e se não tinham assuntos a tratar antes de 28 de julho, azarinho. Até a Assembleia da Republica se interrompe; este ano apenas por 15 dias, mas não que haja alguém a notá-lo.
De repente, e aqui chegados, há uma vida paralela que brota inesperadamente de tudo o que antes era cinzento. As pessoas estão felizes e mostram-no para os noticiários. Os noticiários estão vazios e mostram as pessoas que supostamente estão felizes. Abre a época oficial de caça aos famosos bronzeados, aos políticos barrigudos como todos nós que surpreendidos em fato de banho finalmente podem ilustrar o conceito de «igualdade» a que neste mundo podemos aspirar. Em Agosto, trabalhe-se ou não, está-se sempre de férias.
Eu não gosto de Agosto. Ou melhor, gosto apenas porque prenuncia Setembro, mês atríbuido aos regressos e recomeços. Não gosto pelo calor; mas isso o aquecimento global já tomou conta e posso agora escrever esta crónica com a certeza de que tão cedo não irei apanhar calor do Seringeti em Lisboa. Não gosto por ser um mês que existe por ressentimento e inveja, criado pelo imperador romano César Augusto apenas para não ficar atrás do Julho de Júlio César. Não gosto pelo pretexto consensual de «férias». No fundo talvez seja isso que eu não compreendo: as férias, essa coisa tão desejada que interrompe a vida. Todos olham esse período como aquilo que a vida deveria ser: dias lânguidos, entrega aos pequenos prazeres, domínio do nosso tempo. Mas eis a triste notícia: a vida não é isso. Nasce-se e morre-se nas férias, ama-se e odeia-se, trabalha-se e não se trabalha. A ilusão que as férias dão - o controlo e gozo da nossa própria vida - não é mais do que a vida deveria ser. Agosto - ou as «férias» - é um lembrete por decreto e direito daquilo que sempre deveríamos fazer :viver dia a dia, trabalhando e folgando na medida das nossas possibilidades. As férias não deveriam cortar a vida, apenas confirmá-la no seu melhor e pior e não criar a ilusão de que estamos protegidos do bem e do mal da nossa vidinha pela pulseira de um resort mensal.
Se devemos ter um mês em possamos interromper a nossa rotina? Claro. Mas não pode servir para criar outra, em que fazemos de conta que a vida pára e nos queixamos quando mais tarde ou mais cedo vamos contra ela. Podemos ir de férias mas nunca poderemos ir de férias da nossa vida, sob pena de ela nos passar ao lado. Experimente-se aplicar o que se faz e o que se tem nas férias durante o expediente:o tempo para a família, para os olhares, para as leituras...Experimente-se, e a única altura em que estaremos de férias é quando estivermos a dormir.
NB:Apesar desta crónica, e por motivos vários, o Sinusite vai fechar até ao mês de Setembro, altura em que regressaremos em força e com novidades. Até lá, e porque coube a mim fechar a porta, gostaria de agradecer aos nossos leitores pela atenção e dedicação e sobretudo por nos ajudarem a provar que um texto num blogue merece ser lido devagar e com todos os sentidos.
Em nome de todos os autores obrigado e até Setembro.
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