Jerry Seinfeld disse em tempos que para se ser taxista em Nova Iorque bastava ter uma cara e um nome com 3 consoantes seguidas. Passa-se o mesmo com o exercício de opinião. Hoje em dia, uma conta numa rede social chega. Dá-se inclusivamente o caso, ainda mais curioso, de o sujeito não ter uma opinião, mas transmiti-la na mesma, dando mundos ao mundo enquanto se sujeita ao apertado escrutínio da comunidade. De Barack Obama a Samuel Massas, passando por António José Seguro, todos partilham uma certeza: esse adágio do “penso, logo existo” é um disparate. Existe quem está na rede, de preferência a fazer um figurão.
Ban Ki Moon, secretário geral das Nações Unidas, foi nesta cantilena e diz que é preciso dar espaço à “geração facebook”. Primeiro, é de notar que, pela primeira vez na história das declarações infelizes, alguém me associa a um grupo de pessoas que inclui a minha mãe, os organizadores daquela manifestação contra cenas em Março, e o Hélio Imaginário. Ban Ki Moon foi parco em explicações, o que por um lado é chato, porque adoro ouvir sul-coreanos a falar inglês, mas é também positivo, porque me permite interpretar a sua declaração como bem entender.
Ponto um: é necessário dizer que sim, a minha mãe parece muito mais nova do que é, mas já tem idade para ter juízo. Há um abismo geracional entre nós; prova disso é o facto dela gostar verdadeiramente do Demis Roussos e eu apenas gostar ironicamente, preferindo antes os sábios ensinamentos de um Morrissey. Por outras palavras: a minha mãe pertence a uma geração essencialmente feliz, ao passo que eu pertenço a uma geração que cultiva a infelicidade, ou desassossego, se quisermos soar mais complexos quanto ao facto de estarmos fodidos com a vida. Demis Roussos, 1 – Morrissey, 0.
Depois, há os manifestantes de 12 de Março, pessoas que simbolizam o novo empreendedorismo português, e das quais não me poderia sentir
mais distante, tanto no que diz respeito à ideologia como à dificuldade em explicar essa mesma ideologia, se alguém me perguntar. Quem me conhece sabe bem que pertenço a uma outra leva de indivíduos, pessoas também na casa dos vintes e trintas disponíveis, isso sim, para substituir os mais velhos na função de responsável por-esta-merda-continuar-como-está. Enquanto o país não andar para a frente, estou eu a progredir. Processem-me.
Por último, Hélio Imaginário, um ajudante de cozinheiro anafado que caiu a andar de skate. Segundo a imprensa especializada em notícias com um piadão dos diabos, sensivelmente toda, a resposta das Caldas da Rainha a Johnny Knoxville já é o vídeo português mais visto de sempre. A coisa, para quem ainda não viu (e respira), retrata de forma ímpar os últimos 35 anos da história económica e política portuguesa, até ao mundo globalizado de hoje (ver sodomia e saudade na Wikipedia). Uma estrada inutilizada, provavelmente paga com fundos da UE, e um tipo com demasiada bazófia e uma duvidosa ausência de temor, vulgo esperança/optimismo, espeta-se ao comprido num terreno propício à exploração agrícola, uma técnica de subsistência popular no século passado. Ban Ki Moon sabia, afinal, do que falava, e eu seria doido e imprevisível se não terminasse este texto com um absoluto e sonoro “SOMOS TODOS O HÉLIO.”
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