Caguei para a discussão sobre o acordo ortográfico. Caguei paquidermicamente para as petições e votos de protesto e votos de apoio e discursos patrioteiros de pacotilha e discursos estratégicos de mundividência pessoana e da história com h e da outra com e. Poupem-me aos gazes, à azia, aos arrotos e, sobretudo, às hemorróidas, daquelas que chegam ao tornozelo e transformam o belo e íntimo tempo de reflexão e leitura com as calças arreadas num inferno com o Vasco Graça Moura com os Lusíadas numa mão e a foice noutra pronta a degolar quem escreve actor sem c, que a merda da discussão me provoca.
Quero lá saber se o português correcto é o do corrector ortográfico do Lobo Antunes ou o do Ubaldo Ribeiro. Vá, digam lá, devo achar a prosa do Cardoso Pires genial por escrever duma maneira ou a do Reinaldo Moraes uma treta por escrever que a pemba do homem era uma borduna bororô (eh lá, tanto tracinho vermelho ...). Eh pá, ou devo dizer eta rapai? Que saco de conversa.
Vai ser, de certeza absoluta, um acordo ou a ausência dos livrinhos a explicar como se escreve adoptar ou a fazer um desenho do tracinho que não se deve utilizar entre mini e saia que vai fazer o Wanderley de Mato Grosso, o Chico de Felgueiras, o Manel de Cabinda ou o Lopes da Beira adoptarem (com p e tudo) o que meia dúzia de iluminados acharem por bem dizerem ou escreverem. Pelamordideus.
Chamem-me o picheleiro mais próximo para desbloquear tanta arenga pretensiosa. Dedetizem-se as bocas e as canetas dos defensores e dos críticos. Deixem em paz os nossos códigos, as nossas diferenças ou semelhanças, as nossas pilas ou os nossos pintos.
Irritam-me tanto os arautos da lusitanidade com a mania que têm um mandato directamente atribuído pelo Dom Afonso Henriques para a defesa do português praticado entre Coina e Barcelos como os que pensam arrumar o modo de escrever em meia dúzia de livros cheios de regras. Vão mas é levar na bunda.
Aprendam com o homem: a minha pátria é a minha língua. Mas leiam bem: a minha. Enquanto eu entender o significado de xoxota, a língua também é minha, quando eu deixar de entender já não será. E não há nada que a traga de volta, façam-se os acordos que se fizerem.
E um abraço para o mermão Reinaldo Moraes que nos últimos dias me ensinou mais sobre a minha língua que trezentos mil artigos sobre as virtualidades e os defeitos do acordo ortográfico.
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