Por vezes não apetece que os dias mandem em nós. Que nos obriguem a desviar-nos dos nossos planos, mesquinhos ou ambiciosos, tomar um café ou conquistar o universo, o que vier primeiro. Só que quando isso acontece, quando a força implacável do que se vive hoje e agora não nos deixa solução senão a fuga ou o embate será sempre preferível o embate.
Não queria escrever esta crónica. Não queria escrever hoje, sequer, e muito menos sobre o que se segue. Mas tenho. Tenho aqui de falar de morte e responder com o que posso, as palavras, mesmo assim tristes vestígios de quem as escreve. Não queria falar do massacre selvagem na Noruega, país que eu lembro pela sua extraordinária beleza e civilidade dos seus habitantes; não queria falar de Amy Winehouse, mulher que admirava, combatente e perdedora, tão generosa com o seu extremo talento que nem sequer o respeitava.
Muitas vezes escreve-se para iludir os dias. Agora não. É preciso perceber que para além do espanto, da indignação ou da dor aquilo que acontecimentos abruptos e definitivos como estes nos trazem é o confronto com a nossa própria mortalidade. Ou, para aqueles que seguem Unamuno, com a ânsia invencível que todos temos de imortalidade. Isso é que dói, essa consciência da nossa finitude, que se esconde nos nossos requiems públicos, nas desesperadas análises e especulações que fazemos sobre as vidas que acabaram e não conhecemos. Somos nós também que sempre morremos.
Amy Winehouse sempre estará mais próximo de mim porque era dona de uma arte que conhecia. As vítimas norueguesas parecem mais distantes e envolvidas numa trágica formatação que assiste aos tempos que vivemos e que me remete para a imensa estupidez da natureza humana. Mas têm exactamente o mesmo valor, a mesma importância. Morri um pouco com ambas. Tenho apenas uma dádiva que agradeço: a que me permite dizer com S.Paulo «Morte, onde está a tua vitória?»
Mas não queria escrever esta crónica.
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