Como é habitual quando tenho que escrever qualquer coisa e antes escolher um tema, passei os últimos minutos a olhar para um ponto qualquer aqui em casa na esperança de encontrar assunto. Hoje, o alvo da minha atenção foi uma prateleira cheia de livros que li ou planeio ler. Os temas são os mais variados. Vejo ali o Alain de Botton estacionado ao lado do Roberto Bolaño, que por sua vez divide poeira com o Andrew Ross Sorkin e o G.K. Chesterton. Consigo explicar-vos como é que estes gajos vieram todos aqui parar (basicamente influência deste ou daquele tipo que aparenta saber mais do que eu, e são muitos, quase todos), mas não vos sei dizer o que é que estes livros acrescentaram à minha vida, para além de encherem as prateleiras cá de casa. Podem ter-me ajudado a raciocinar durante uns minutos, talvez a escrever um pouco melhor, mas nenhum deles me deu mais do que algumas horas de entretenimento e muitos momentos de tédio enquanto o respectivo autor não chegava a um corolário qualquer. Não trouxe de lá nada a não ser a consciência de que pouco ou nada absorvo, mesmo tendo acesso privilegiado a muita coisa (por comparação, por exemplo, com um labrego qualquer que não sabe que o é). Nem grande distracção, nem apaziguamento. Geralmente, chego ao fim com a certeza de que não percebi o objectivo do autor, a não ser num parágrafo ou noutro, mas percebi desde cedo que ler aquilo não ia mudar nada em mim ou no mundo. É assim com quase tudo.
A coisa mais relevante que retirei do livro do Alain de Botton sobre o Proust foi o comprimento de uma frase do gajo, um apontamento que já usei vezes demais em conversas mundanas. O Bolaño demora 10 páginas a dizer alguma coisa memorável. Quando chego ao fim de um desses sprints, ainda tento fingir que percebi o que ele estava a fazer com todos os seus recursos literários, como se também eu fosse escritor e só pessoas como eu pudessem perceber realmente o que está ali em causa. Não sou, e não percebi. Mais uma vez, acabo por assumir que dali não levo grande coisa a não ser um “ok, então era isto que querias dizer. próximo capítulo. falta muito para chegarmos?”. Foi assim com o Detectives Selvagens, e posso dizer que regressei da América Latina igualzinho a mim mesmo.
O Andrew Ross Sorkin explicou-me o que uma cambada de pulhas bem colocados em Wall Street andou a fazer durante décadas, mas, e depois? Um gajo fica com a sensação de que sabe um bocadinho mais do que os outros sobre aquela merda, mas não se lembra de metade das coisas que leu e vai continuar a não saber explicar à malta do café o que são credit default swaps. O Chesterton diz coisas muito bonitas sobre a religião e a loucura, mas às tantas um gajo está a ler aquilo e a pensar que aquela merda, ao nível dos valores, é uma espécie de língua morta. Não trouxe de lá uma única ideia que me ajude a não insultar taxistas no trânsito, e não há-de ser por causa dele que volto a entrar numa igreja. Vou responder ao Chesterton como se fosse um amigo: meu, podes ser bué citável, mas ainda não foi desta. Como dizia o Burrell, "It's Baltmore, gentlemen, the Gods will not save you." Não pensem que acabei me contradizer com esta citação saída do The Wire, uma série sobre pretos altamente sobrevalorizada porque, pronto, tem uma consciência social e por isso justifica a nossa visão pretensamente justa das coisas, quer acreditemos na espécie humana ou achemos que o ser humano é uma merda. Não se enganem, dizia eu, porque acabei de desencantar a tirada no meu newsfeed do Facebook. Não fazia ideia de que o Burrell tinha dito esta merda e na altura em que vi a série não achei que fosse assim tão importante. No entanto, nesta era do conhecimento pronto a exibir, achei que vinha mesmo a calhar. Chesterton e The Wire num só parágrafo. Qualquer dia sou o Rogério Casanova.
Faço 30 anos daqui a 1 mês e ainda não percebi o que é que andamos todos aqui a fazer, a não ser por via das coisas imediatas e da satisfação que estas nos dão. Cada vez tenho menos capacidade para atentar nos problemas da vida que precisam de um diagnóstico aturado, de uma estratégia planificada ou de uma resolução gradual. De um interesse duradouro, em suma. De profunda reflexão - cruzes credo. A não ser que me paguem para isso. De resto, bardamerda. Faz mais sentido para mim que um gajo assuma que o grande objectivo da sua vida é beber um café e fumar um cigarro todos os dias ao acordar, até ao fim dos seus dias, do que um gajo acreditar que será por via de estímulos mais difíceis de digerir do que uma dieta à base de cozido à portuguesa que vai sentir-se completo e verdadeiramente são. A não ser que convivamos diariamente com pessoas que procuram a sua validação na estratosfera das relações, e aí é obrigatório uma pessoa acompanhar. O que dá um trabalho do caraças, se, como eu, não se for capaz de procurar muito mais do que entretenimento, coisas imediatas, sinais efémeros que mantenham um gajo ligado ao mundo, mas que não impliquem uma gigantesca reflexão sobre o Grande Rumo das Coisas ou, pior ainda, sobre nós mesmos. Um indivíduo não se supera por isso. Aliás, um indivíduo não se supera a não ser que viva obsessivamente para um só objectivo. Não tendo a obsessão nem o objectivo, as coisas tornam-se muito mais fáceis e, como diria o Alain de Botton de uma forma mais literata e por isso credível, um gajo passa a fazer aquilo a que no mundo da auto-ajuda se chama “visualizar o resultado". Os problemas passam a resolver-se: a) em meia hora, com uma ida ao Pingo Doce, b) em uma noite, regada rumo ao êxtase, c) em uma semana, passada de papo para o ar em Punta Cana, ou, d) em um ano, com uma doença filha da puta que conseguimos fintar. Pode ser que me engane, mas acho que isto vai ser assim até ao fim.
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