Um argumento sólido baseado no estudo de um país, dos seus pensadores, escritores, políticos, artistas, da sua economia, da sua cultura ou outro detalhe de semelhante importância é facilmente rebatido quando, num qualquer encontro social, um conviva com ar altivo diz: “pois, pois, mas já lá estiveste?”
Nesse momento, todo o trabalho que o cidadão teve em recolher a informação que julgava necessária para um conhecimento medíocre, que fosse, sobre uma qualquer terra ou civilização fica ao mesmo nível do intrépido viajante que passou meia dúzia de dias, se tanto, num determinado destino. Na melhor das hipóteses no mesmo patamar, se também tiver um carimbo dessa terra no passaporte. Se não, quando muito, terá direito a um sorrisinho indulgente seguido da assassina frase: “Tens de lá ir”, como quem diz: se nunca lá foste não percebes nada do assunto. A partir daqui seguem-se longas exposições sobre os curiosos hábitos de higiene pessoal, análises sofisticadíssimas sofre a gastronomia local, os diferentes rituais de acasalamento e seríssimas dissertações sobre o destino politico, económico e social dos indígenas.
Os jantares, almoços e demais encontros sociais estão cheios de pessoas capazes de dizer imensas coisas sobre o sentimento do povo letão depois de ter passado dois dias num hotel de cinco estrelas em Riga, da situação do Médio Oriente depois de uma escala técnica no aeroporto de Beirute ou dos problemas de criminalidade da Colômbia depois de uma estada num resort de luxo em Cartagena das Índias.
Esta praga alastrou-se aos colunistas. Não há rapaz ou rapariga, com um espaço num jornal ou revista, que não decida partilhar connosco os seus enormes conhecimentos recentemente adquiridos na sequência duma curta estadia num qualquer canto do mundo.
Enquanto a coisa se resume à contemplação dum qualquer “plúmbeo céu” ou duma “multidão em organizada desorganização” vá que não vá, o problema é quando se começam a fazer grandes reflexões sobre o nosso país comparando-o com o que o cronista viajante visitou.
Para que não existam dúvidas no leitor sobre o carácter genuíno e a profundidade da análise referem-se encontros com cidadãos locais que, sem sombra de dúvida, dão uma imagem perfeita desse país e que permitem instantaneamente fazer pontes com Portugal.
Escusado será dizer que são sempre largamente abonatórios para aquele autêntico paraíso.
As viagens são uma espécie de novo passaporte para um estatuto social especial. Um conhecimento global do mundo, uma mundividência adquirida em agências de viagens e catálogos. Um individuo pode falar durante horas seguidas do Kafka sem ter lido uma linha sequer de um livro do senhor Franz se disser que passou por Praga. O conhecimento dum país, duma cultura, duma História é, aparentemente, fácil de obter: está ali entre a carta de condução e o bilhete de identidade, compra-se com o Visa.
publicada na edição de Maio da revista Life
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