Nesta manhã de sexta-feira santa, molhada por uma chuva pequenina, como aquela que muitas vez cai na minha terra, recordo-me da Páscoa nas Furnas, ilha de São Miguel, Açores. Íamos - os meus avós, eu e a minha irmã - para o Hotel Terra Nostra e aí ficávamos durante uns dias, a passear pelo parque e a conversar e a jogar damas com os rapazes e raparigas da nossa idade, alguns deles amigos que ficaram para a vida. Também havia vagas e desajeitadas partidas de ténis no campo junto ao Casino, muitas delas interrompidas pela meteorologia. E, naturalmente, almoços e jantares no restaurante do hotel - cada família na sua mesa, acenando e sorrindo quando chegava, despedindo-se quando regressava aos quartos. Tempo ordenado e familiar esse, como o vale das Furnas onde respirávamos.
Chove, chove uma chuva miudinha e açoriana em Lisboa, a convidar à memória. E eu lembro-me desses tempos, desses rostos, desses gestos. E escrevo sobre isso, possivemente para me abrigar da saudade. Hoje, se estivesse em São Miguel, se não estivesse em Lisboa, prestes a seguir para a Galiza, à procura das raízes do Fernando Assis Pacheco, iria, creio, às Furnas almoçar. Gostava que os meus filhos fossem. Para conhecerem esse ritual que ainda hoje existe, praticado pelas mesmas famílias, pelos mesmos acenos, mais velhos mas ainda persistentes como os bons rituais. Para, sobretudo, celebrarem os bisavós e eu lhes poder reproduzir algumas das histórias que, à mesa, o meu avô nos contava, repetidas vezes, da sua infância em Belém - mesmo que eles ainda não as percebam há-de ficar qualquer coisa.
Que Furnas haverá no futuro, quando eu for avô, se é que lá chegarei? Que lugares abrigados do ruído do mundo, ora com chuva miudinha ora atravessados por um sol franco e primaveril, existirão para se ser convenientemente avô e poder levar os netos nas férias da Páscoa? Territórios onde se suspendem afazeres e noticiários e se pode apenas estar com os nossos, como se não houvesse mais nada, mesmo mais nada, para além disso.
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