Não gosto da bandeira nacional. Aquela coisa horrível verde e vermelha com aquela confusão de castelinhos e esferas e o caraças será muito apropriada para um desses novos países desenhados a regra e esquadro por um qualquer paspalho armado em construtor de nações, mas não é suficientemente digna duma gente antiga, com todos os defeitos e qualidades de quem já viu muito mundo. As bandeiras antigas eram mais bonitas, mas também tinham aquela coisa dos castelitos e tal. Também não estavam à altura. Chegava bem o azul e branco, velhinho de gerações e gerações, sem berloques.
Quanto mais cores e símbolos tiver uma bandeira, menos recortada é a fronteira desse país. Os novos países usam aquela confusão de referências para substituírem a história que não têm. Cada milímetro de mapa para dentro ou para fora do país vizinho tem uma luta, um casamento, uma desfeita de honra por trás. Quem não tem história inventa-a, já se sabe, e é por isso que vemos sacholas, metralhadoras e coisas que tais nas bandeiras dessas crianças da História. A grossura dos livros de História dos países é inversamente proporcional ao número de cores e bonecos das suas bandeiras.
Verdade seja dita, nunca tivemos muito jeito para essa coisa de bandeiras, hinos e símbolos que tais. Dos hinos, então, nem vale a pena falar (seguem-se mais umas centenas de caracteres). Ele é gajas histéricas, de pistolas à cinta, doidas por matar Cabrais só pelo velho António Bernardo querer pôr os mortos em cemitérios em vez dos deixar a apodrecer por debaixo do lajedo das igrejas; ele é marchar, marchar, contra balas de canhão, assim uma espécie de lá vamos cantando e rindo levados, levados sim, para a morte certa.
A generalização ia começar agora e a graçola já estava preparada. Pegava nestas duas pérolas, dizia que não temos jeito para pôr músicas nas letras, nem letras nas músicas e rematava em grande estilo contando a historieta do lusitano do Domínio dos Deuses. O tal que não sabia cantar, mas sabia dizer uns poemas muito jeitosos. O apelo final seria: o hino passava a não ter música e cada vez que a selecção jogasse dizíamos um soneto qualquer.
Para mal dos meus pecados, o meu filho Domingos, depois dum pequeno incidente familiar concluído com a quebra duma estante e no amarfanhamento dum poster dos Joy Division, chega, revoltado, à sala e põe a tocar o disco que estava na aparelhagem. Ora porra, a Travessia do Deserto do José Mário Branco.
Foi-se a crónica, ficou isto.
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