Sei de quem não suporte domingos. Não suporte o silêncio, o vazio, a solidão dos domingos. Gostava de pensar como essa gente activa, sequiosa de acontecimentos, mas não poderia estar mais longe dela. Tenho pelos domingos o mesmo afecto de uma criança feliz por não ter escola. Não cresci nem um bocadinho.
Em tempos, o domingo era o dia da missa. Do almoço e do passeio de família. Da roupa boa que se comprava e guardava para usar, especificamente naquele dia – a roupa de domingo. Hoje, é o dia do pijama, do roupão e das pantufas; do chinelo e da roupa de ontem. E essa revolução indumentária diz quase tudo o que há a saber sobre a forma como mudámos colectivamente de vida.
Sacrificámos tudo ao que se passa da porta de casa para fora. A roupa boa, o tempo, a energia, são empenhados em semanas de trabalho e compromissos de agenda; para nós, para nós mesmos, a nossa casa, o nosso tempo, as nossas pessoas, a nossa solidão, deixámos os restos.
Morto Deus e moribunda a família, ficámos com o domingo livre – um drama aterrador para quem, sem horários de trabalho e entradas de agenda, perde o sentido de existir. Sem ruído, sem a ilusão de que se caminha para qualquer lado, o domingo descobre cruelmente a nossa falta de planos para a vida.
O paradoxo é evidente. A nossa liberdade deveria correr livremente pelo campo aberto dos domingos. Aí deveria florescer tudo quanto queremos ver, ouvir, construir, as conversas que queremos ter, com quem queremos ter, os sítios, as canções, os rituais, os reencontros, as descobertas, todos os empreendimentos pessoais, o simples perder de tempo, se é tempo que queremos perder, languidamente estendidos no sofá, no mar ou esplanadando por aí. Se isso não acontece, não há nenhum problema com os domingos; há um problema connosco.
Um dia, haveremos de ir trabalhar com a roupa de ontem e vestir-nos de gala para brincar com as crianças e os gatos. Faremos zapping de smoking. Poremos perfume para que o tempo se demore ao passar por nós.
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