De repente um país torna-se num momento. Breves minutos, registados para a posteridade, resgatam Portugal da mansa raiva em que são vividos os dias, na época de todas as mentiras e todas as revoltas. Declarações mais ou menos delirantes, acompanhadas de sotaque hilário e histrionismo excessivo seduziram os portugueses. As fantásticas power lines de Paulo Futre na conferencia de imprensa de um candidato à presidência do Sporting são recitadas de cor, embrulhadas nos cafés com os pastéis de nada («Calma sócio, não vê que estou concentradíssimo»), debitadas a todos os propósitos («Vai vir charters da China»). A operação aritmética 19+1 nunca mais irá ter o mesmo sentido em Portugal. Sucedem-se os videos, as paródias, as sequelas.
A verdade é que Paulo Futre, no seu modo peculiar e picaresco, fez mais pela mobilização dos portugueses do que anos e anos de maus governos e injustiças sortidas. É nele que nos revemos quando o troçamos : porque apesar do óbvio delírio daquele homem , ele fala sem medo. Ele diz o que quer dizer, o que sinceramente acha que é o melhor. Pode ter uma lógica de Alice no País das Maravilhas, sim; mas contém uma dose de sinceridade e vontade que não consigo encontrar em mais nenhum orador ou figura publica nacional nesta altura.
Há algum tempo, tive o contraste desta atitude. Assisti a uma mesa-redonda com figuras académicas respeitáveis e respeitadas. Não irei dizer quem para não ferir sensibilidades. Mas serviu para constatar o que já sabia: os portugueses são pomposos. Chatos, ufanos, vaidosos. O primeiro orador, para um tema que, faz de conta, seria «A invenção da roda» começou a sua intervenção assim:«Quando eu tinha oito ou nove anos, na minha aldeia...». Seguiram-se vinte minutos de partilha de petites histoires provavelmente interessantes para contar em casa à lareira: para uma audiência que queria ouvir opiniões sobre a invenção da roda, foi só mais uma provação enfadonha. O mesmo para os outros intervenientes, que não resistiram a apelar à sua biografia para garantir que o publico soubesse quão brilhantes eram e como foi tão sensato da organização o convite que lhes foi feito para ali estarem.
Deste Portugal, estou farto. O cinzento português de O'Neill tranformou-se no multicolorido das caudas de pavão artificiais que por aí debicam. Vivemos entre o folclore da revolta festivaleira e a arrogância de quem nada sabe e tudo quer ensinar.
Viva Paulo Futre. E no dia que for a votos, já tem o meu garantido.
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