Roubar ou não roubar?, eis a questão que se põe ao consumir imoderado de canções. Tenho-me colocado a pergunta numa altura em que me quero actualizar em relação a novos sons e - destino da geração parva e pós-parva – falta-me o guito necessário para tal. Não sou santo nenhum na matéria: já saquei alguma discalhada e beneficiei do saquanço de outros. Mas de vez em quando surge a pergunta, tipo faixa escondida: é legítima esta coisa de sacar música independente da net ao desbarato?
Dizem-me – e dizem alguma bandas – que o prejuízo resolve-se com os concertos ao vivo e com as digressões. E eu penso nos grupos que não gostam de tocar ao vivo. Simplesmente porque não funcionam ao vivo. Ou porque o vocalista é patologicamente tímido. Pergunto-me se grupos que me formaram (tal e qual a Dona Dulce, minha professora da primária) como os Jesus And the Mary Chain e os My Bloody Valentine poderiam sobreviver neste mundo do “vamos percorrer todas as terrinhas para ganharmos o nosso”? Já para não falar do antigo catálogo da 4AD, coral sonoro tão belo e rico mas quase irreproduzível - em condições e transcendência - em palco.
Depois ainda há quem use um argumento para aquietar as consciências: “Eu compro sempre os discos de que gosto”. Ou por outra: primeiro saco e depois escolho, de entre os álbuns que saquei, aqueles que vou comprar. E torço o nariz. Porque sei que ou se é um melómano irrecuperável e se gosta de ter o disco como objecto ou é muito fácil escorregar para a procrastinação do acto da compra. Quem é que, tendo o álbum dos Twin Shadow no computador, não cede à tentação de, nestes meses crisófilos, adiar o momento de o mandar vir da Amazon ou de o ir buscar à loja? Além disso, para citar um amigo, “é tudo muito bom, muito bonito”, mas quem é que garante, com estes gestos, a sobrevivência das “mercearias musicais” (na boa terminologia da Radar)? O comércio tradicional da música é como o outro – só é preservado se houver quem resista à tentação de escolher sempre as grandes superfícies, sobretudo essa superfície gigante a céu aberto que é a internet.
E é assim. Um gajo não sai disto. Vai ao site da Pitchfork, topa as novidades e, antes de ceder à tentação de escrever no rectangulozito do Google “mega upload” seguido do grupo, estaciona o espírito na pergunta chata: saco ou não saco? Fico a dúvida. E vai-se deitar, enquanto deixa a consciência, a terrível consciência, numa espécie de eterno modo de download.
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