Nova York é muito giro. Tem lojas do melhor que há, restaurantes fantásticos, grandes concertos a cada hora, museus de ficar com a cara à banda, ainda hoje jantei com a Pedro Abrunhosa japo-americana – não sei se ela percebeu que estava a jantar comigo. É porreiro, bestial mesmo. Também faz muito bem à saúde porque se faz muito exercício. Um tipo anda, anda, anda, e não custa nada porque, enquanto se apanha o frio mais roxo do mundo, vêem-se coisas do diabo mais velho: prédios, mamelucos, tolinhos a prometer o fim do mundo, gajos a vender noggats, outros a impingir cachorros quentes, táxis amarelos, gajas doidas com as pernas ao léu, homossexuais e assim. Nada a ver com Lisboa.
E a energia? Uiiii, a energia. A energia é tanta que um cidadão quase que consegue acender uma lâmpada quando chega ao hotel – ou é isso ou é o sítio onde estou que dá choques por todo o lado.
Eu esforço-me, juro que me esforço. Saio sempre de Lisboa cheio de vontade. Digo aquelas bacoradas do costume “vou fugir desta merda”, “um banho de cultura, pá”. A minha mulher faz a lista dos sítios onde temos mesmo, mesmo, de ir, anuncio a minha chegada aos indígenas e lá vou eu.
Adoro chegar ao destino, o pior é ficar. É que tenho de fazer imensas coisas. E quanto maior é a cidade, mais coisas há para ver, para rever, para comer, para isto e para aquilo. O cidadão pode ficar a preguiçar, mas depois fica com a consciência pesada: “então gasto uma fortuna e depois fico para aqui no hotel ou num café a beber uma gasosa?” Este stress mata-me.
Não é que não goste das cidades onde vou, gosto de quase todas – tirar Índias, Chinas e que tais -, mas sinto-me sempre como se estivesse a ver um filme em fast forward. Mesmo quando decido apenas sentar-me numa praça e ver o mundo passar durante horas, dias a fio não é a mesma coisa do que fazê-lo na minha cidade. Eu sei, eu sei, é a mesma gente, com as mesmas angústias, desejos e receios mas o cenário não é o mesmo. A encenação diferente faz a peça diferente, e eu não percebo aquelas marcações de palco, aqueles adereços. Dessem-me mais tempo e eu até acho que era capaz de alcançar, mas não tenho. Não tenho anos, décadas para ser desse local e é esse o tempo de que preciso.
Amanhã regresso. É essa a minha casa, e é a única que, apesar de com muita dificuldade, vou entendendo. Hei-de voltar a estas cidades que elogiarei e falarei com muita propriedade, mas não tenho nada a ver com elas, nem nunca terei. Vou continuar a perder tempo, que não tenho, a viajar para mais esta e aquela.
Quando perceber porquê, digo-vos. Entretanto, tenho para mim que sou só um provinciano envergonhado.
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