A chuva de Abril reconcilia um conservador com a sua consciência.
Anos de conversas de café que terminaram com dedos em riste, acusando “Tu és mas é um conservador, pá!” como quem aponta a reincidência despudorada num pecado capital, podem fazer-nos fraquejar. A inefável crise arrisca amaciar-nos o coração e puxar-nos da nostalgia revolucionária da adolescência. A ânsia de que governos, constituições e tratados nos deixem trabalhar em paz, obriga-nos a debitar slogans liberais. Mas, ao cair da noite, armado de roupão e pantufas, livros e cigarros, com a chuva a deslizar de modo incerto pela vidraça, um conservador redescobre a verdade visceral de si mesmo.
Vem isto a propósito destes dias de fim de Março, início de Abril, quando chove.
Chove como sempre choveu, como a sabedoria popular sempre disse que choveria, como é esperado que chova. E enquanto alguns blasfemam diante do roupeiro, olham as camisas de manga curta de lágrima no olho e amaldiçoam o guarda-chuva, o conservador conforta-se debaixo do sobretudo e do chapéu, feliz por algumas coisas ainda serem para sempre, estarem no sítio certo, chegarem à hora do costume. Como previsto. (“No alarms and no surprises, please…”)
Há um só tipo de conversa mais inútil do que a que versa sobre o tempo: a que apresenta queixa dele. O conservador pode falar sobre o estado do tempo como qualquer outro ser humano em apuros com a falta de assunto, mas não se queixará da chuva ou do sol, do calor, da humidade ou do frio. Ele sabe – tem de saber – que é inútil. Tem de reconhecer instintivamente o absurdo de despender energias, tempo e latim a protestar contra o que não pode ser mudado. Afinal, a revolta contra as condições meteorológicas é apenas um estado avançado da condição de eterno sindicalista de bancada de que padece muita populaça. Não há um pensamento organizado que a sustente; é um simples acto reflexo de reacção à realidade. Se chove, dizem que já ninguém aguenta. Se não chove, ai que lá vêm os incêndios. Está frio? Coisas que eles andam a fazer lá no espaço. Calor? É da emissão de gases poluentes. Faz sol? Que saudades da serra coberta de neve. Neva? E agora quem é que vai trabalhar?
A revolta gratuita e sempiterna que brada este género de bordão só estaria feliz, talvez, se pudesse passar a vida estendida languidamente ao sol enquanto chovia no resto do mundo. Sabendo da impossibilidade de tal milagre climatérico (e já nem discutindo o altruísmo que lhe subjaz), insiste, ainda assim e todos os anos, em chicotear-nos a paciência com queixumes.
Neste fim de Março, início de Abril, ela está aí, em força, lamentando que chova, como sempre choveu, como sempre lamentou.
O conservador, munido do pacifismo que lhe impede de dar outro uso ao guarda-chuva (um que acabasse com a conversa de vez), apazigua o seu delicado sistema nervoso. Afinal, as lamentações sempre lá estiveram. São parte do mundo que continua a ser o que costumava ser. Como a chuva primaveril e a nostalgia dos grandes verões da infância.
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