
Não, não me chamem preguiçoso. A preguiça exige prazer, gozo, deleite. No máximo, tenho uma dessas coisas modernas que aparecem em documentários nocturnos de um canal qualquer do Cabo: um distúrbio da atenção. Preciso de comprimidos, não de palavras generosas. Não, não sou preguiçoso. Isso é coisa boa. Tenho é demasiadas imagens e ideias na cabeça, a maior delas sem muito sentido e consequência, para me lançar a grandes tarefas e epopeias. Demasiadas angústias e outras melancólicas medusas a banharem-se na minha cachimónia para escrever obras com a espessura (e a densidade) dos livros do Rodrigues dos Santos.
Calaceiro. Pachorrento. Calmeirão. Tudo palavras que me inspiram respeito e ternura. Gostava era de ser preguiçoso como os preguiçosos de Cossery. Altivo e superior com eles. Lento – e com orgulho na minha lentidão. Sem qualquer sentimento de culpa no bolso da frente. O preguiçoso genuíno tem a forma de uma rede de descanso – e, pecado maior para todo o participante em fóruns radiofónicos, goza com quem trabalha. Já não se vêem muitas personagens dessas nos cafés. Gente que demora o dia todo para ler uma breve. Que escrevinhava um poema ao ritmo de um verso por mês. Gente que é apanhada a olhar para anteontem enquanto a multidão enfarda bolos de arroz e folhados de salsicha. Hoje há pouca gente apanhada a olhar para anteontem. O que é uma pena.
Um mandrião. Ah, o que eu gostava era de ser um mandrião – a versão malandra e rufia do preguiçoso. Algumas das figuras que mais admiro eram mandriões. O O’Neill, por exemplo, era um mandrião. Pelo menos é a ideia que eu tenho dele - demorando-se em restaurantes e bares, enquanto não vinha o poema ou o trocadilho (se é que vinha, se é que era importante que viesse). O Mário-Henrique Leiria também – o gin tónico, mesmo sob a forma de conto, é para se ir bebendo. Invejo, invejo mesmo gente elegantemente ociosa e calaceira. Não me chamem preguiçoso. Não mereço o elogio. Sou demasiado rápido a mandar SMS’s para isso.