Hoje é assim, sabemo-lo: um tipo - um tipo novo, acabado de sair das Faculdades - tem qualidades, talentos, vocações, vontade de suar e disciplina e mesmo assim fica fora dos empregos. Mesmo daqueles a recibinho verde. O toque de bola e o esforço não chegam. Escrevo sobre o assunto porque assisti recentemente a um caso (um desses de talento e de trabalho) de alguém que não ficou a trabalhar na empresa que merecia e que o merecia. Porque, citando um chato qualquer do linguajar económico, as condições de mercado, neste momento, não são favoráveis à contratação de pessoas.
Isso chateia. De facto chateia. Dá logo vontade de ajudar a miudagem, de lhes pôr uma cunha (a boa cunha, que também a há, convém recordá-lo nesta altura de malhanços vários na instituição), de ligar a amigos, inimigos e amantes a atazanar-lhes a cabecinha com o currículo do rapaz. Com mais do que isso – que essa coisa do currículo muitas vezes não chega; é, demasiadas vezes, matéria morta e vaga. É preciso mostrar ao mundo laboral o trabalho, o bom trabalho do cidadão. O sapateado do bicho. Em polaroids, DVD’s ou animações de rua.
E é preciso também que a rapaziada recusada, momentaneamente recusada, não entre tão depressa nessa noite escura que é a conversinha do lamento e do “só neste país” e do, para lembrar o texto de ontem do Pedro, “é a crise, não posso fazer nada”. Porque isso é converseta de esquina, daquela que não nos faz dar nem um passo, nem um passinho que seja, de esquilo anão. É, é aqui que entra o meu discursozinho liberal (também tão espancado, tão facilmente espancado por estes dias), filosoficamente liberal, psicologicamente liberal, estuporadamente liberal. Se calhar convém, como é que se diz mesmo?, ir à luta. E o que é que isso da luta?, pergunta-me o Zé Ferdinando. Isto, provavelmente: se não dá aqui, dá ali. Se não consigo que me recebam acolá, dou três cambalhotas para ser recebido acolará. Até que, chamem-lhe fé, chamem-lhe fezada, chamem-lhe delírio, alguma coisa de boa, vá, de menos má - que eu quero acompanhar as poses intelectuais da minha época- aconteça.
Lembro-me agora de um belo de um papelote que um tio, vivido durante uns anos em Filadélfia (e noutras Américas), me deixou, um dia, em cima da mesa melancólica e desistente. Tinha uma frase escrita a caneta e em maiúsculas: “Do it”. Do it? Sim, do it. Vai virar frangos, se for preciso. Mas do it. Não esmoreças, André. Não te fiques. Continua o sapateado.
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