Darwin foi esperto. Houve tipos que se esfolaram a trabalhar em coisas datadas como dobrar o Cabo das Tormentas, inventar o telex, desenvolver a gloriosa passarola voadora; descobrir, literalmente, a pólvora. Foram grandes um instante e, depois, abandonados ao esquecimento logo que alguém inventou coisas melhores ou caminhos mais rápidos para chegar ao mesmo sítio. Darwin não. Darwin pensou numa coisa à la longue – que é uma expressão muito bonita que, além do mais, deu para refrão de imensas canções reggae – a teoria da selecção natural das espécies. Nunca vai sair de moda, nunca estará desactualizada. Pelo contrário: quanto mais as coisas mudarem, mais ele estará certo. Concentrou-se no movimento e não na coisa. De cada vez que entro numa casa de banho com bidé, por exemplo, penso em Darwin. Não é a imagem mais bonita de sempre, bem sei, mas ele estava a pedi-las (há dias, graças à exposição da Gulbenkian e uma capa do Público, descobri que Darwin, afinal, era o gémeo prematuro do Beck, mas isso são contas de outro rosário). O bidé fraquejou, não se adaptou às circunstâncias, e salvo honrosas excepções em casas com outros detalhes tão caros ao design como marquises e cães de loiça, sucumbiu à evolução.
Uma outra espécie que tem de estar para cair a qualquer momento é o escritório. A mania do escritório, do local de trabalho, do emprego. À parte umas quantas profissões que têm a nobreza de pôr as mãos na massa – médicos, bombeiros, pedreiros, electricistas, dançarinas exóticas, blá, blá, blá – quantos de nós precisariam hoje, realmente, de sair de casa para trabalhar? Advogados, técnicos superiores de contas, criativos publicitários, designers, arquitectos, astrólogos, comentadores desportivos, colunistas da Mulher Moderna – que é que toda esta gente está a fazer a ocupar andares e andares de escritórios? Ide para vossas casas. Poupem nos transportes, na gasolina, nos nervos. Deixem de pensar no que vão vestir. Deixem de pensar na desculpa para o atraso. Deixem de meter atestados. Acaba-se a casa de banho ocupada, a conversa que não se quer ouvir, a interrupção gratuita, o barulho, o cheiro da convenção de marmitas à hora de almoço, o chato do chefe, o hipocondríaco do secretário, a histérica da adjunta, a arma química que a senhora da reprografia usa e insiste em chamar perfume.
A net ofereceu-nos mais que galerias de mature babes e blogues de intelectuais deprimidos. Deu-nos tempo e independência em relação ao espaço. Hoje, só percebo que se queira sair de casa para trabalhar numa de duas circunstâncias muito específicas: querer ter um caso tórrido com a estagiária do quinto andar ou viver numa casa com bidé e cães de loiça.
Imagino que não fosse o caso de Darwin. (Esse teria um australopithecus de loiça.)
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