A crise nacional é mais que um dado adquirido: é como ser baixo – está lá. Somos nós. Nada a fazer. Passará, se passar, somente por milagre. Há muito que aceitei o destino - é o que uma pessoa com metro e 69 pode fazer. O que eu gostava, o único sonho que tenho, é que fizéssemos alguma coisa com isso.
O meu sonho para a crise era que da depressão nacional resultasse grande produção de arte. Obras profundas, honestas, que sugerissem caminhos novos, e não a traquitana inútil que prolifera. Que os empresários descobrissem novas áreas de negócio, com projectos sustentados, para que não voltassem a falhar. Que o português, em geral, deixasse de estar à espera do Estado miserável para fazer alguma coisa. Entendesse o óbvio: que, se quer alguma coisa da vida mais que o ar gratuito que abunda, tem de ser ele a chegar-se à frente.
E mais coisas: o regresso, para nunca mais partir, do absoluto amor pela liberdade de expressão; tripartição de poderes irredutível; consciência verdadeira do que se faz quando se vota e em quem se vota. Um Banco Central decente e competente, imprensa à prova de bala, guarda imperial à nova Constituição, cidadãos informados sobre as regras da justiça e da economia que jamais voltassem a adormecer sobre a negligência da sua ignorância. Realismo contra a utopia, pertinência contra a demagogia, desejo de construir contra o tédio de se deixar estar.
Sobretudo, que isto, esta coisa patética a que chegámos, resultasse na única consequência aparentemente lógica dum erro: a sua correcção. Isto é, eu amaria profundamente a crise se ela apagasse do mapa a classe política que a criou porque uma nova geração de líderes estava mesmo aí a chegar.
Mas – não sei se é de mim – não estou a ver isso a vir.
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