Regresso ao convívio do leitor após 15 dias de interregno (sim, escrever neste estilo faz-me sentir uma locutora de continuidade da literatura). Retornado e com a folha em branco diante do nariz, sinto-me a reviver esses gloriosos tempos do ensino primário em que nos eram encomendadas grandes prosas acerca de temas maiores da cultura continental: as minhas férias, o meu Natal, a minha casa e esse universo maior, o tema livre. Demasiado respeitador da paciência do público, poupá-lo-ei, contudo, à redacção pormenorizada dos acontecimentos, mas deixo-o com algumas das conclusões extraídas de duas semanas de reflexão eremítica numa casa de campo algures nesse Portugal – à atenção do Pedro – real.
Conclusão 1: férias em Janeiro é bom. Toda a gente está a trabalhar menos nós, o que resulta na situação mais próxima de ter meia dúzia de escravos a abanar-nos, esse bom hábito que se perdeu. Recomendo. Outra vantagem: não há programas de Verão na tv. A tv que há continua a ser má, mas ao menos não temos de levar com o José Malhoa em calções a actuar numa emissão especial da “Praça da Alegria” na praia de Espinho.
Conclusão 2: a vida existe sem ligação à net. Poupam-se duas horas a apagar e-mails, uma hora a fazer refresh para ler actualizações das mesmas notícias, e cinco horas a seguir forwards de links para vídeos muita giros do you tube em que alguém toca a Carmen de Bizet soprando na máquina de água do escritório e outras epifanias urbanas que tais.
3: este inverno, chove como o raio, mas os meteorologistas continuam a concluir que chove sempre menos que o ano passado. Um dia destes, dedicar-lhes-emos toda uma crónica, mas enquanto isso não acontece, fica a recomendação: tirem lá os aparelhos do Sahara e instalem-nos algures de Tavira para cima.
4: no Portugal real, ainda há bilhas de gás. Tudo é mau na experiência revivalista, mas ao menos faz-nos vir à memória a vida e obra da menina da Galp pluma. Um grande bem haja, onde quer que esteja.
5: em miúdos, as férias representavam algo extraordinário: eram o botão on/off do mundo, desligavam e reiniciavam as coisas, as relações, o tempo. Isso acabou anos atrás. E é pena. É pena ter de reconhecer que, nesse aspecto, a inteligência humana esteja tão distante da esperteza das máquinas.
Última: as férias amolecem o escriba. É jogador em início de época, ainda a 70%, de acordo com o mister. Tem uma barriguita a perturbar-lhe a pontuação. Há-de ir ao ponto com o ritmo de jogo - se não quiser ir emprestado para as distritais do cronismo.
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