Das coisas mais aborrecidas que o passar dos anos traz é começarmos a falar dos nossos sítios favoritos e repararmos que a muitos deles já não vamos há muito tempo.
Existe sempre a velha desculpa de que não se deve voltar a sítios onde se foi feliz mas, em minha opinião, é, quase sempre, uma desculpa para a forte preguiça que o passar dos anos provoca.
No caso de uma “boite” ou discoteca – ou como se queira chamar a um local onde se vai ouvir música, dançar e beber um copo – existem várias desculpas mais ou menos plausíveis: o ambiente mudou, a música piorou... Claro está, que há a possibilidade de nós sermos daquele tipo de pessoas que deixou de ouvir ou de gostar de qualquer tipo de música que não seja a que ouvia na adolescência ou de achar que ir a este tipo de sítios é para “gente mais nova”. Como não me incluo nestes dois grupos de gente – apesar de achar que jamais haverá uma banda como os Smiths – perguntei-me porque é que há tanto tempo não vou àquela que para mim foi – e segundo, visitas recentes de entendidos na matéria – e continua a ser uma das melhores, senão, a melhor discoteca de Lisboa: o Incógnito.
Tem aquilo que eu considero o espaço ideal para um lugar deste tipo: suficientemente pequeno para que não haja “grupinhos” e logo se meta conversa com gente que não se conhece e com espaço suficiente para poder “aprofundar” a conversa. Na época que lá ia amiúde ouvia-se a melhor musica de Lisboa e esse bom hábito continua a ser apanágio da casa.
Bom... houve uns episódios que me deprimiram um bocadinho e que me puseram a pensar se aquela história da idade para ir a sítios destes faria ou não sentido.
A primeira foi a de me começarem a “cravar” de uma maneira um bocadinho estranha: “O senhor pode-me dar um cigarro?” A segunda, ainda me deprimiu mais. Ao entrar na casa de banho, reparei nuns rapazes a fazer a “sopinha” para um charro. Com a minha entrada deitarem tudo fora... No meio deles estava um meu primo que foi presenteado com um calduço que o deixou muito confuso por ser acompanhado por uma severa reprimenda acerca do desperdício que ali tinha acontecido.
Também não deve ter ajudado as duas vezes em que não me portei, digamos... da melhor maneira. Apesar de me achar um cidadão respeitador, os rapazes do Incógnito eram – e ainda devem ser – tão simpáticos que em vez de me darem umas merecidas bofetadas puseram-me, gentilmente, na rua quando o Step On dos Happy Mondays, telepaticamente, me mandou iniciar um, confesso, pouco sexy strip tease ou quando fiz uma espécie de stage diving pelas escadas abaixo inspirado pelo Morrissey...
O Incógnito faz parte da minha vida: foi lá que tive a primeira zanga com aquela que é hoje a minha mulher, marcou – acho eu – os meus filhos, já que estou convencido que o gosto musical deles ficará para sempre ligado a essa casa, de tantas horas lá passadas na barriga da mãe. Um deles, aliás, teve quase a nascer em plena pista de dança entre o Park Life dos Blur e o Feel the Pain dos Dinossaur Jr.
Bem, vou-me deixar de mariquices e voltar a frequentar, mais assiduamente, o velho e bom Incógnito. Para que saibam, eu sou aquele velho careca que está a tentar passar por adolescente. Um aviso: se me chamarem senhor não levam cigarros.
Publicada na Revista Atlântico
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