Isto dos sentimentos dum homem não se resolve num texto só. Ou melhor, ou bem que se despacha numa palavra ou duas ou, a partir do momento em que nos aventuramos ao atrevimento de formular uma ou mesmo – suprema loucura – várias frases, a coisa complica.
Fiquemos, pois, por um aspecto simples: o que fazemos quando a nossa mulher vai de férias, ou: o triste dia em que realizamos ter chegado ao fim a nossa fulgurante carreira como Casanovas dos pequeninos.
Chega uma altura na vida dum tipo em que ele arruma as botas. Mas fá-lo firmemente convencido de ser temporário. Ele junta-se. É um tipo junto, comprometido, com ou sem papéis e aliança e sogros. Sem cerimónia de homenagem, ele despede-se das pistas das discotecas, dos balcões dos bares, do café do emprego, qual jogador veterano acenando à multidão enquanto deixa o relvado. Abotoa mais um botão da camisa, usa medidas mais sensatas de água de colónia, deixa de fazer olhinhos à rapariga da tabacaria, não responde mais aos sms da Isaltina, analisa o desempenho da estagiária da estrita perspectiva do seu rendimento laboral.
Tem agora uma vida, digamos, normal. Vai ao supermercado, divide contas, janta em casa, vai ao Ikea, cancela jogos de bola ao domingo porque há almoço na família dela.
Mas, no fundo, no seu íntimo, qual Maradona gesticulando na bancada, ele acredita que ainda é tão capaz como dantes, capaz de regressar à equipa e fazer o brilharete. Simplesmente, não precisa. Não quer. Está noutra.
No dia em que a mulher se ausenta em trabalho ou de férias, ele acredita, piamente, que vai provar tudo isso a si mesmo. Vai ouvir a música no volume que quiser, mandar vir as pizzas que quiser, ver jogos de futebol de todas as ligas do mundo e, por que não?, voltar a dar um ar de sua graça na pista de dança mais próxima.
De súbito, no entanto, desperta no primeiro dia de vida temporariamente só e descobre que o joelho já não dá, que os pés incharam ou a chuteira mingou, ou que, pura e simplesmente, já não gosta tanto do jogo. Vagueia pela casa arrastando as pantufas, abre e fecha o frigorífico, pensa se tomar duche será assim tão fulcral ou uma vulgar convenção da sociedade continental, muda de canais como quem folheia o suplemento de caixilhos do Destak e acaba por sair à rua, resignado à falta de opções que a casa lhe oferece.
Aí, no mundo exterior, engole a bica e arruma o jornal, sem saber com quem comentar as notícias, vai para o trabalho e é tão eficaz e sociável como uma fotocopiadora. Aborrece-se com qualquer conversa que se estenda para lá do minuto e meio de duração. Ao fim da tarde, entra no centro comercial e desinteressa-se das compras, vai à livraria e parece-lhe já ter tudo, opta por não ir ao cinema porque os filmes que quer ver ela também quer ver e então o melhor é esperar por ela. No caminho para casa, descobre estar farto de pessoas e ultrapassa-as pela berma da estrada, respira de alivio ao fechar a porta do prédio e decide que, afinal, já não vai sair porque não, porque não sabe porquê, não lhe apetece.
Acaba a noite enterrado no sofá bebendo minis que, provavelmente, ela comprou. Faz contas aos dias que faltam para ela chegar e a todas as loucuras que ainda vai cometer. Quando o gás da cerveja o vai fazer arrotar, cobre a boca e emite o menor som possível. É apenas um homem junto temporariamente só. Logo, está com ela. Logo, ela está com ele. Ali. E não apreciaria a falta de modos.
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