Tenho muita mais confiança nos meus ouvidos que nos meus olhos. A única possível excepção serão as letras impressas que os meus olhos vêem e que deixam que o meu complexo cerebral faça as suas próprias imagens. Gosto, porém, do mediador rádio (nunca gostei do termo telefonia) talvez seja por isso que me entusiasmo muito mais quando ouço as minhas músicas preferidas na rádio em vez de ser eu a fazê-la tocar num qualquer IPOD ou tocador de CDs.
Tenho memórias fantásticas de grandes programas de rádio: dos "Meus caros amigos" do José Nuno Martins, de que recordo programas fantásticos com o João Ubaldo Ribeiro e que se viria a tornar dos meus escritores favoritos, do Herman no Rebébeu pardais ao ninho do "Sem margem”, do "Pão com manteiga", do "Passageiro da noite", do "Em órbitra", do “Rock em stock”, de todos os programas do meu eterno herói António Sérgio, do Programa da manhã do Sala e da Olga, do Pajú, do Oceano Pacifico, da Discoteca, do Pessoal e Intransmissivel (que, infelizmente, tem um entrevistador a quem só falta lavar o rabinho com água de malvas aos entrevistados), do OK computador ( da minha actual rádio favorita), do Flash back (onde se prova a superioridade da rádio sobre a Tv), da “Febre de sábado de manhã”, dos “Cinco minutos de Jazz” do enorme Jazzé Duarte, dos grandes Parodiantes de Lisboa, da “A idade da inocência” (que bastava a moedinha do Tom Waits para merecer ouvi-lo) e de tantos, tantos outros. Mais, eu gosto tanto da rádio que até conseguia ouvir o inenarrável “ A vida também se diz “ da Renascença.
Lembro-me da mais famosa rádio novela portuguesa a “Simplesmente Maria” que eu ouvia com a minha avó e que fazia chorar as pedras da calçada (não é que percebesse alguma coisa do que se estava a passar...). Talvez seja por isso que um dos livros da minha vida seja “A Tia Júlia e o Escrevedor” que é o melhor livro do Vargas Llosa e que para mim é um livro sobre tão somente sobre ... a rádio e o meu filme preferido do Woody Allen seja, é claro, o “Radio Days”.
Quem não se lembra de uma das mais famosas frases da rádio portuguesa: “ Posso dizer a frase ?” do clássico “Quando o telefone toca” ou para a geração dos meus pais: “Nós por cá todos bem” ou ainda do: “Rádio Moscovo não fala verdade”.
Não posso perdoar à televisão ter destruido dois desportos que deviam ter exclusivo de transmissão na rádio: o Futebol e o Hóquei em Patins.
Enquanto o Hóquei era apenas transmitido na rádio era um desporto fabuloso. Os relatadores narravam o que viam, e de facto, só eles é que sabiam ver e desta forma era mais que um desporto, aquilo era o maior espectáculo do mundo... passou para a TV e... morreu. As pesssoas queriam ver a bola e de facto, existia esse “pequeno” detalhe”, a bola não se via, mais, só se sabia que era golo quando vissemos os jogadores a celebrar. Mas para que diabo queriam as pessoas ver o jogo ? O que nós gostavamos era dos relatos emocionados, da descrição das piruetas fabulosas dos Livramentos e Cristianos, dos golos por debaixo das pernas, das defesas épicas do grande Ramalhete, dos espanhóis a chorar. Se a gente via muito melhor através dos relatadores para é que queríamos ver com os nossos mentirosos olhos ?
E compara-se alguma vez a emoção de “ver” um jogo de futebol através da rádio ou através da televisão ? Mais uma vez os nossos olhos nos mentem descaradamente: se são os nossos olhos a ver, uma bola no nosso meio campo não nos entusiasma, mas se “virmos” através da rádio, a bola está quase a entrar na baliza adversária. É por isso que vemos tanta gente nos estádios com o rádio no ouvido, essas pessoas sabem que os seus olhos lhe estão a mentir e por isso levam o transmissor para que possam ver o jogo como deve ser...
Um estúdio de rádio é meu lugar de culto porque nos meus sonhos mais cor de rosa eu estou a fazer um programa. A pôr uns discos e a dizer umas larachas e os sonhos é que são verdade, o resto é a desinteressante falsa realidade da televisão. Quando acordo descubro que não estou lá, mas ao menos ouço um qualquer locutor a contar-me as novidades enquanto ainda estou de olhos fechados.
Vivam os cantores da rádio.
crónica para a Atlântico e com dedicatória ao Vasco Barreto
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