O problema da cunha não é o tráfico de influências. O problema da cunha é que não funciona. Na maior parte das vezes não funciona. Ok, todos conhecemos casos de filhos e sobrinhos e enteados e afilhados que foram colocados em lugares-chave depois de telefonemas feitos à hora certa com o tom de voz certo, mas a pergunta que faço é: quantos filhos, sobrinhos, enteados e afilhados ficaram por beneficiar no processo – também ele moroso e burocrático – da cunha? Quantos cidadãos ficaram condenados a vidas de miséria quando podiam ter chegado lá por via de uma cunha eficiente e eficaz – aquelas como devem ser? O sistema da cunha ainda é mais lento do que o sistema de justiça. Isso chateia.
Sim, em Portugal nem mesmo a cunha funciona. Fica a meio, normalmente. A cunha até pode ser bem pensada, bem feita, bem praticada – o jantarinho até estava bom, o vinho impecável, a sobremesa um mimo, a conversa do melhor. Mas depois, nos dias a seguir, o engenheiro nosso amigo vai adiando o momento de dizer à secretária para ligar ao departamento de recursos humanos. Esquece-se. Perde o post-it. Manda a nota para lavar com as calças de bombazina. E o processo da cunha, que até começou bem, falha redonda e implacavelmente. Deixando, como se costuma dizer, um gajo apeado. Um gajo sonha, faz planos e depois dá nisto. O melhor é ficar quieto.
Há pessoas que levam cinco, dez anos à espera que uma cunha se resolva – o que é inaceitável. A cunha, a boa cunha, devia ter efeitos na hora. Um tipo devia ir à Loja do Cidadão, esperar dois ou três minutos, ser atendido por um funcionário amável e ir para casa já colocado num lugarinho de eleição. Assim é que era. Mas não. Um tipo mete uma cunha e sofre – por si e pelo primo que quer ver com uma vida feliz e desafogada. E que todos os dias liga a perguntar “se já há novidades”. Não, não há novidades. Até que chega o dia em que se deixa de atender o telefone. Por vergonha. Ele apostou tudo na nossa capacidade de pôr uma cunha e afinal os resultados são nulos. É todo um prestígio que vai por água abaixo. É humilhante ser incompetente a pôr uma cunha.
Por tudo isto, talvez seja conveniente colocar a notinha no frigorífico ainda antes de 2009: não à cunha. Sim, à apresentação - directa, sem mediações - do talento próprio. Mais vale ir bater à porta do engenheiro ou apanhá-lo nos mictórios do que esperar que “aquela conversa” tenha qualquer tipo de seguimento. Chegou a altura de apresentar o caparro ao próprio do empregador. De fazer o número à frente de quem decide e coloca cidadãos no quadro. É mais eficaz. Dá mais possibilidades de emprego. Para quê pôr uma cunha para fazer um table dance num bar em Alfornelos (que, com certeza, não vai funcionar) se posso fazer uma demonstração no momento no snack em frente? Para quê pedir a um amigo de um amigo para dizer a um amigo de um cunhado para dar um toque para publicar um livro numa editora se posso raptar o editor e obrigá-lo a ouvir os meus poemas de fio a pavio numa bicha para a ponte? A cunha é uma merda. Dá muito trabalho e não leva a lado nenhum.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.