Há dias ofereci uma t-shirt dos Cut Copy ao meu sobrinho Tomás, um rapaz de doze anos. Quis compensá-lo pela tristeza que sentiu por não poder, pela sua escassa idade, ir ao concerto que a banda deu no Lux uma destas quintas. O entusiasmo que sentiu com o grupo australiano (uma mistura improvável e possivelmente perigosa entre os New Order e os Modern Talking) começou numa tarde em que pesquisei no youtube uma data de clips deles - desde "Hearts on Fire" até ao mais antiguinho "Time Stand Still". O Tomás assistiu a tudo de pé, encostado à parede, com o silêncio tímido que o caracteriza. Quando chegou a casa, falou à mãe do grupo. Pediu-lhe para sacar da net as musiquetas do gang (ela naturalmente não sacou porque é uma pessoa responsável). E, desde aí, está transformado num Cutcopymaníaco.
Este episódio fez-me lembrar das pessoas que tiveram importância na minha formação de ouvinte. Sem ter consciência disso, semeei uma influência musical no miúdo. Não quer dizer que vá ouvir Cut Copy a vida toda ou sequer que os Cut Copy valham alguma coisa - na melhor das hipóteses são apenas mais um divertido grupelho para animar bailes pós-modernos. O ponto é que o tipo anotou mentalmente o nome da banda e foi pesquisar. Recordei-me da importância de certos encontros para a formação dos gostos musicais. Lembrei-me das personagens que, a certa altura da minha existência, me fizeram deixar a ganga foleira dos 80´s e entrar definitivamente nos territórios alternativos - ou seja, nos maus caminhos. Ponhamos as coisas desta forma: basicamente saí do Plateau com um pullover em bico da Amarras e entrei no Incógnito já vestido de preto desde a peruca até aos soquetes. E, para franco desgosto das entidades paternas, nunca mais de lá saí.
Uma foi o irmão mais velho de um amigo - que, do meio do Atlântico (São Miguel, Açores), mandava vir batalhões de encomendas de discos da Contraverso e a quem roubávamos discos dos My Bloody Valentine (lembro-me de ter ouvido Ecstasy And Wine e de julgado que havia problemas sérios na gravação). A outra foi um amigo mesmo, que me abriu os ouvidos para o jazz e para Prince e seus derivados - que me mostrou que havia mais mundo para além do catálogo 4AD. Eles foram os meus Harold Bloom sonorosos. Ou, se quiserem, os meus Moita Flores musicais. Sem a sua ajudinha hoje seria mais um dos milhares de ouvintes da RFM - quem sabe até um animador nas madrugadas, com uma lamentável queda para a poesia pirosa e barata.
Ainda hoje deixo-me influenciar em termos sonoros pelos cidadãos com quem me vou cruzando nas esquinas e nos spas. Os discos chegam-me de várias proveniências, algumas delas legais, e muitas partem de sugestões de figuras com quem tomo uma ginginha ou um nespresso (felizmente, sim, não me tenho cruzado com o Marante). Ouve isto, ouve aquilo, já ouviste falar daqueles? E lá vou eu para o meu computador, como o Tomás, fazer as minhas pesquisas internéticas, lamentavelmente sem a ajuda da minha mãe.
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