O HpA teve a honra de receber em sua casa um reputado crítico literário, entre outros convivas. Era-lhes pedido que trouxessem bebidas - a propósito, faz-se aqui um pedido público de desculpas e garante-se que na próxima festa a cerveja não acabará às 2 da manhã, pois ou stock da casa será reforçado ou será barrada a entrada a um certo e determinado conviva, "inclusivamente". Não sobravam muitas opções: trazer cerveja, vinho, bebidas brancas ou gasosas. Sucede que um crítico literário não pensa como uma pessoa normal e este, depois de insultar o HpA pelos metros lineares da sua biblioteca - " só isto?" -, ofereceu-lhe um boião de mayonnaise. Meus amigos, a praga do humor nonsense precisa de acabar. O HpA ainda gosta de anedotas que comecem com: "um americano, um inglês, um francês e um português..." O humor nonsense irrita, sobretudo quando por causa de uma piada a cerveja acaba às 2 da manhã, quando podia ter durado até às 2:15. E há neste humor o gérmen da obsessão. O que queria ele dizer com a mayonnaise? Ou melhor, mesmo não havendo nada de inteligível no gesto, como se chegou ali? Com honrosas excepções, a mente humana precisa de ordem e vai numa cadeia de porquês até o nonsense ficar enredado numa teia de lógica. A piada feita animal selvagem à solta que se tenta reencaminhar de volta ao jardim zoológico. Só que um boião de mayonnaise a fazer de bebida numa festa sem comida é como um gibão em Monsanto, impossível de apanhar. E o resultado é que o HpA anda agora com o boião por toda a casa, procurando percebê-lo, nisso parecendo uma rapariga tonta posta perante o facto consumado de que foi encornada - "I need to understand!" Enfim, ele vai aprendendo que, do quarto à sala, passando pela casa de banho, há um potencial decorativo constante no boião. Entalado nos lençóis cor de laranja, o boião de tampa verde da mayonnaise Calvé ganha até alguma alma. E não é difícil concretizar a tentação animista pois, como se sabe, há muita solidão nos grandes centros urbanos. Quando o retira do frigorífico, onde o deixa sempre que se ausenta, o boião vem fresquinho, apetece mesmo o cheek to cheek. Quando vê o prazo de validade - "22.3.09" - sente-se um privilegiado, pois nestes tempos de relações efémeras não se pode pedir muito mais. 9 meses. No Nine 1/2 weeks, na cena da cozinha, a boca de Basinger é receptáculo para uvas, morangos - "Hum, I want a big one"- , tomatinhos, um fusilli, gelatina, pimentos picantes, champagne, leite, um esguicho de gasosa, preliminares para o clímax que se espalha depois a todo o corpo. E o que se espalha? Maple syrup. A mayonnaise, que já havia perdido para a margarina em o Ultimo Tango a Parigi, volta a falhar um grande casting do erotismo soft. São sinais para arrepiar caminho, tomar este boião entre os braços e ficar assim quietinho a fazer-lhe festinhas, em vez de prosseguir na calha da aventura sexual. Recicle-se então isto numa relação de amizade, que esta até vem com omega 3 (fonte natural).
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.