Por vezes, como agora, acontece o seguinte: um tipo senta-se ao computador, armado em cronista, do alto do seu moleskine, com umas ideiazitas pobres mas honestas alinhavadas nos intervalos dos desafios dos dias, quando o jogo está normalmente empatado; um tipo senta-se, mas o olhar não, continua de pé, levanta-se inquieto e insatisfeito, pouco convencido do talento do seu dono. E vai pousar num livro colocado mais ou menos a 110º do PC (vindo de quem desce). É um livro de - oh destino! - crónicas dispersas do O'Neill, Já Cá Não Está Quem Falou. Nessa altura já é tarde para voltar atrás, já lhe pegou, já o folheia, numa atitude que faz lembrar o jogador do Porto que disse que esteve à beira do abismo mas, MAS, deu um passo em frente. E lê:
«Manuel Bandeira é a mais alta expressão poética do Brasil. Ele diz que não: que é Mário de Andrade. Mário de Andrade diz que não: que é Manuel Bandeira. Mário de Andrade diz bem.»,
isto só para aperitivo, como canapé de cilício. De maneira que vai em frente e lê noutro texto
«O pobre corre atrás da galinha. A galinha, cocori-pescoceando, foge-lhe sobre os dois garfos, sobre as duas baquetas em rajada de baterista. "Vale a pena, vale todas as penas!", silva bronquiticamente o pobre»
Nesse preciso momento o tipo que se sentou preparado para escrever percebe que hoje é inútil, que já nada de bom lhe vai sair sob os dedos que só querem afagar o teclado para expressar as hossanas por saber ler. O leitor diz que quando há O'Neill, o melhor é não escrever nada. O leitor diz bem.
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