Na sequência de um desentendimento com o professor de guitarra sobre o número de horas necessárias a uma boa aprendizagem, o meu filho Sebastião quer desistir das aulas de guitarra.
Como pai moderno tento dialogar: “E porque é importante para a tua educação”, “E, mais tarde, vais-me agradecer”. O rapaz olha para mim com cara de enfado, encolhe os ombros e diz-me: “pronto, lá vens tu com as falinhas mansas do costume”.
Nesta altura hesito entre um carolo e uma bofetada, mas como pai liberal conto até dez, suspiro e volto à carga: “meu querido filho, o teu pai adorava ter estudado música e não teve oportunidade e, com sacrifício (é mentira, mas fica bem), quer-te dar essa dádiva única (mordo o lábio esperando que ele não se ria) e, além do mais, isto é importante para o teu futuro.
O sacaninha riu mesmo e desfiou-me o rol de queixas e verdades absolutas: que o Bill Gates nem campainhas sabia tocar, que a música era suposto ser divertida e que ler risquinhos e bolinhas num papel é uma maçada, e que assim não tem tempo para jogar PS2 e mais um rol de quinhentas mil coisas que já não ouvi porque nessa altura a minha mão esquerda ganhou vida própria e tentou agarrar um pau de marmeleiro (madeira levezinha...). Felizmente a minha mão com mais juízo, a direita, agarra na outra e a situação compõe-se.
Ponho o meu ar mais sério e preparo-me para o que pensava ser o argumento definitivo, o clássico, “meu filho, tens 11 anos e eu é que sei o que é melhor para ti”, quando Nossa Senhora de Fátima me iluminou e ouvi desta boca que a Terra há-de comer: “Ó pá, és mesmo otário. Os gajos que tocam guitarra têm sempre montes de raparigas atrás deles”.
O Sebastião teve 20 valores no exame de guitarra.
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