"Estava numa lavandaria de Iowa City, a ler um conto de Chekov enquanto a roupa dos seus filhos dava voltas em quatro máquinas de lavar.
(...)
De quando em quando, pegava no lápis que mantinha sobre a orelha e escrevia algumas palavras na primeira página em branco do livro: pensamentos soltos, frases, cenas, ideias para desenvolver mais tarde. Não se lembrava de quando decidira tornar-se escritor. Nem porquê. Porém, sem que disso se apercebesse, tinha afastado a possibilidade de escrever um romance. Para além de não conseguir concentrar-se durante períodos muito longos, achava que os romancistas viviam num mundo que, para eles, tinha sentido. O seu mundo, em contrapartida, era insensato. Passava o mês inteiro a preocupar-se com o pagamento da renda e a manutenção dos filhos. Não havia tempo para grandes narrativas. Só escrevia textos de uma assentada. Poemas. Contos. Depois, durante semanas, reescrevia-os com prazer, dez, quinze, vinte vezes."
Eduardo Halfon sobre Raymond Carver, em "O Anjo Literário", Cavalo de Ferro, 2008
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