Perguntam-me se acredito em Deus e eu respondo: "Não tenho pensado muito nisso". Parece resposta engraçadinha mas não é – é mesmo verdade. Mesmo a transcendência pode ser expulsa do espírito se temos "muita coisa na cabeça". Não tenho pensado em Deus, é verdade. E não tenho pensado muito nisso de saber se acredito em Deus. Tenho os meus intervalos transcendentes - certamente filhos do fundo religioso mais ou menos difuso que foi tomando corpo entre as inquietações da infância. Atribuo sentidos metafísicos a certos encontros e acontecimentos na minha existência mas depois, durante largos períodos, esqueço Deus com a mesma atitude negligente com que deixo de telefonar a alguém. Não me orgulho disso, claro. Deixo simplesmente de lhe ligar, de lhe fazer confissões e (ah, a ancestral interesseirice dos crentes) pedidos. Podemos voltar a ver-nos - e o encontro funcionar como as festivas e fraternas reuniões de antigos combatentes de guerra. Mas também podemos não nos cruzar mais. E Deus desaparecer lentamente da consciência e da memória. Como aquelas pessoas que por vários motivos, uns mais misteriosos, outros mais prosaicos, foram deixando de fazer parte das nossas vidas.
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