Quando era miúdo gostava de subir às árvores. Costumava equilibrar-me nos ramos mais frágeis e por vezes caía. Tenho impressão que aqui e ali me aleijava e sei que a dada altura deixei as árvores em sossego. Certo é que caí. Lembro-me que, nesses tempos, quando me punham figos à frente, eu comia 40 de seguida. Mas também recordo que não queria comer melão à sobremesa. Quando provei, adorei. Deixei os figos de lado e comecei a comer melão como um doido.
Fiquei doente de tanto melão, cheguei a ir parar ao hospital com tanto melão, e ganhei medo ao bicho. Também era incapaz de comer frango frito, que uma vez me fizera vomitar - sem que por um segundo me ocorresse que o problema não fosse do frango frito, mas de quem o cozinhou e como. Nunca culpei o cozinheiro nem o estado da comida. Pensei sempre que o meu estômago era fraco. E assim afastei-me um pouco das pessoas que tinham bom estômago. Passei a comer apenas pescada cozida - mas tinha dias que só me sentia bem com muita doçaria. Comia à socapa, sozinho, e apesar de as análises não acusarem excesso de açúcar no sangue, de cada vez que ficava mal disposto eu pensava que era dos doces e sentia uma certa culpa.
Já não sei se não queria comer melão pelo seu aspecto, ou se apenas me irritava que toda a gente na família gostasse tanto. Talvez me apetecesse ter um gosto só meu, uma mania só minha, que me definisse, nem que fosse por exclusão. Certo é que houve doçarias solitárias que me deixaram um sabor amargo, mas também é possível que eu não tivesse sabido escolhê-las. E certo é que hoje, um pouco menos ágil, não subo a árvores. Convivo bem com isso, apesar de já não me lembrar se comecei a ter medo de cair ou se apenas me aborreci de trepar. Ou se gostava de cair.
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