Parece-me exagerada a ideia de Truman Capote de que toda a gente tem a disposição para trabalhar criativamente, só que a maior parte não dá por isso. Mas acho que todos temos uma vocação qualquer. A conversa de que existem "pessoas programadas para falhar" parece-me, em geral, gratuita e fácil. Existe, acredito nisso, algures um território onde somos capazes de nos surpreender e surpreender os outros. Pode ser um território mínimo, ridículo e desvalorizado socialmente mas que ele existe, existe. Acho mesmo que um dos objectivos essenciais da vida é tentar encontrar essa vocação - objectivo no qual, por necessidade ou por facilidade, perdemos pouquíssimo tempo. Mesmo os tipos com jeito ou inclinação para uma determinada área deviam tentar perceber se não serão ainda melhores noutra. Aqueles que são bons num determinado domínio deviam perceber se, dentro desse domínio, não serão melhores a abordá-lo de uma maneira diferente - noutro formato. Acredito que há muito bom carpinteiro que tinha um futuro melhor na medicina. Que muito escultor (de alguma qualidade até) podia experimentar o futebol de salão. Que muito funcionário da ASAE devia tentar a dança jazz. Que muito escritor de romances devia tentar o conto ou a reportagem. Estacionamos na primeira tarefa que nos propomos executar. Só porque "até nos safamos bem". Feliz aquele que, apesar de ter talento para a matemática aplicada, consegue, a certa altura da sua vida, perceber que é genial é a fazer panquecas. E feliz o mundo que fica a ganhar com essa descoberta. Repito: acho que todos - todos mesmo - temos uma vocação qualquer. Até o Gomes da Silva.
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