Todos temos um amigo. Um está no desemprego e a namorada abandonou-o. Outro é hiper-activo e nos restaurantes derruba o copo em cima da amante do terceiro amigo, um quarto fala quando não deve, há mais um que nos pede dinheiro emprestado dia sim dia não - e ainda há aqueles nos telefonam sempre mesmo que nunca lhes telefonemos de volta.
Um amigo, pelo menos, toda a gente tem.
Mas há um amigo que é especial. É o "Eu tenho um amigo". O "Eu tenho um amigo" de quem dizemos - a outro amigo - "Eu tenho um amigo que não resiste a roubar os trocos das máquina do tabaco". Ou "Eu tenho um amigo que se sente atraído pela cinquentona que por acaso é sogra dele". Ou "Eu tenho um amigo que sofre de ejaculação precoce".
Todos temos um amigo.
Este amigo é-nos muito querido. Antecipou-se aos nossos possíveis problemas, sofreu-os por nós - o que além de uma tremenda demonstração de humanidade, nos incumbe de uma responsabilidade que nos torna melhores, mais humanos.
Temos de sossegar esse amigo, porque o mundo compreende-o. Nós não (por vezes até o detestamos e aos seus problemas), mas o mundo sim. Nunca ninguém, ao interceder a favor do seu amigo dizendo "Eu tenho um amigo que", ouviu um "Que imbecil, esse teu amigo". As pessoas condoem-se, em particular porque também têm amigos assim:
"Queria falar-te de uma coisa. Eu tenho um amigo que sofre de ejaculação precoce".
"Epá, errr, eu, hmmm, também tive um amigo assim. Mas aquilo passou com o tempo".
(Hão-de notar que as pessas que ouvem um amigo dizer "Eu tenho um amigo que" não têm um amigo na mesma condição - tiveram.)
Todos temos um "Eu tenho um amigo". Vamos construindo com ele uma longa e terna dependência. E um dia, quando esse amigo morrer, nós ficaremos tão tristes que morreremos com ele.
E haverá alguém, num restaurante qualquer, a dizer:
"Eu conhecia um tipo que fumava como um cavalo e sofria de ejaculação precoce e morreu de velho. Bom tipo", dirá esse alguém, enquanto acende mais um cigarro, pensando no medo da morte que o seu "Eu tenho um amigo" sofre por ele todos os dias.
É esse "Eu tenho um amigo" que carrega a vida inteira as vergonhas, a culpa e os maiores terrores de todos. E a ele é raro darem-lhe um abraço ou cantarem-lhe os parabéns.
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