Quinta-feira, 17 de Abril de 2008

[this depression is for display purposes only]

A princípio, acreditei que fosse um problema meu. Discos e discos de música deprimente e depressiva, impossível de passar em festas, a menos que se tratasse da XXVII edição do suicídio colectivo anual da igreja adventista do oitavo dia da Carolina do Sul. Depois, muitos serões em casa de amigos volvidos, comecei a desconfiar. Vieram concertos e festivais de música, classificações das revistas da especialidade, recomendações de melómanos. A música boa era, inevitavelmente, melancólica, soturna, cabisbaixa. A alegria, a pop estridente e luminosa, a dança, as histórias felizes, resultavam, de modo fatal, no kitsch; às vezes, no gay; no comercial-ligeiro para pôr multidões a tirar, cito, o pé do chão.

Passássemos ao cinema, à pintura, à literatura, ao teatro, e o cenário não mudaria. Em arte, a tragédia foi, através dos tempos, o grande género, não a comédia. A seriedade vem, amiúde, como bandeira da idade adulta e, afinal, os palhaços sempre serviram para entreter crianças.

Isto já seria misterioso, mas o enigma adensa-se quando saltamos da auto-medicação artística que seguimos de cada vez que escolhemos consumir determinado produto cultural. Se gostamos de filmes pungentes, livros que nos encostem às cordas, óperas trágicas e músicas deprimentes, por que diabo preferimos pessoas alegres?

Se o amigo leitor tem em casa a discografia completa dos Tindersticks, o primeiro do Jens Lekman e bilhetes para o concerto do Nick Cave, deveria apreciar a companhia de suicidas solipsistas defensores da substituição do alho pelo valium nas mais diversas aplicações culinárias. Será assim? Não. A malta gosta é de gente viva, sorridente, colorida, que encha uma sala, domine aniversários e debite piadas com a prolixidade e incapacidade para o sofrimento duma catatua.

Gostaria de ser convidado para uma daquelas festas em que nos deixam à vontade para trazer companhia e sugerir uma pessoa destas. Ai, posso levar alguém? Então, vou com o meu amigo maníaco-depressivo, que acredita que o Cosmos se organizou desta forma com o exclusivo fim de lhe causar aquela calvície precoce e se auto-mutila de cada vez que uma estrela de cinema não lhe responde às cartas. Vai ser um pagode!

O pessoal devia vibrar perante perfil semelhante. E os pais? Por que desejam para os filhos gente agradável e bem-disposta? Por que não aparecer-lhes em casa com uma moça pela mão e dizer: “Papá, Mamã, esta é a Clarinha. Foi espancada pelos pais em criança, mais tarde vendida a um psicopata que a violava todos os dias ímpares e que gosta de fazer sacrifícios animais como forma de expiar a culpa do mundo. É de uma densidade…”

Algo vai mal na relação que a espécie humana estabeleceu com a tristeza e a alegria. As pessoas é que deviam ser sérias e a arte entretenimento. Mas, ultimamente, preferimos um piadista que nos ponha a rir na vida real e distraia, por um momento, das desgraças que comprámos na fnac e pusemos em casa a encher as estantes do ikea. Inventámos a arte séria e densa para poder ser, trivialmente, superficiais.

Ainda não percebi se isso é mau.
publicado por Alexandre Borges às 19:27
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