Domingo, 31 de Julho de 2011

Férias da vida

De maneira que aqui chegámos, ao nosso querido mês de Agosto. Invariavelmente, por aqui tudo pára: o empresário mais inovador, o boémio mais tradicional, o artista mais empenhado. No nosso país - e em tantos outros lados que não me dão jeito nenhum agora citar -, Agosto é um mês de Portugal interruptus. Tudo o que não funcionava antes ou tardava a chegar tem finalmente os seus trinta e um dias de desculpa oficial. Não há crise que o destrua,pânico que o debele: Agosto é Agosto e se não tinham assuntos a tratar antes de 28 de julho, azarinho. Até a Assembleia da Republica se interrompe;  este ano apenas por 15 dias, mas não que haja alguém a notá-lo.

 

De repente, e aqui chegados, há uma vida paralela que brota inesperadamente de tudo o que antes era cinzento. As pessoas estão felizes e mostram-no para os noticiários. Os noticiários estão vazios e mostram as pessoas que supostamente estão felizes.  Abre a época oficial de caça aos famosos bronzeados, aos políticos barrigudos como todos nós que surpreendidos em  fato de banho finalmente podem ilustrar o conceito de «igualdade» a que neste mundo podemos aspirar. Em Agosto, trabalhe-se ou não, está-se sempre de férias.

 

Eu não gosto de Agosto. Ou melhor, gosto apenas porque prenuncia Setembro, mês atríbuido aos regressos e recomeços. Não gosto pelo calor; mas isso o aquecimento global já tomou conta e posso agora escrever esta crónica com a certeza de que tão cedo não irei apanhar calor do Seringeti em Lisboa. Não gosto por ser um mês que existe por ressentimento e inveja, criado pelo imperador romano César Augusto apenas para não ficar atrás do Julho de Júlio César. Não gosto pelo pretexto consensual de «férias». No fundo talvez seja isso que eu não compreendo: as férias, essa coisa tão desejada que interrompe a vida. Todos olham esse período como aquilo que a vida deveria ser: dias lânguidos, entrega aos pequenos prazeres, domínio do nosso tempo. Mas eis a triste notícia: a vida não é isso. Nasce-se e morre-se nas férias, ama-se e odeia-se, trabalha-se e não se trabalha. A ilusão que as férias dão - o controlo e gozo da nossa própria vida - não é mais do que a vida deveria ser. Agosto - ou as «férias» - é um lembrete por decreto e direito daquilo que sempre deveríamos fazer :viver dia a dia, trabalhando e folgando na medida das nossas possibilidades. As férias não deveriam cortar a vida, apenas confirmá-la no seu melhor e pior e não criar a ilusão de que estamos protegidos do bem e do mal da nossa vidinha pela pulseira de um resort mensal. 

 

Se devemos ter um mês em possamos interromper a nossa rotina? Claro. Mas não pode servir para criar outra, em que fazemos de conta que a vida pára e nos queixamos quando mais tarde ou mais cedo vamos contra ela. Podemos ir de férias mas nunca poderemos ir de férias da nossa vida, sob pena de ela nos passar ao lado. Experimente-se aplicar o que se faz e  o que se tem nas férias durante o expediente:o tempo para a família, para os olhares, para as leituras...Experimente-se, e a única altura em que estaremos de férias é quando estivermos a dormir. 

 

 

 

 

 

NB:Apesar desta crónica, e por motivos vários, o Sinusite vai fechar até ao mês de Setembro, altura em que regressaremos em força e com novidades. Até lá, e porque coube a mim fechar a porta, gostaria de agradecer aos nossos leitores pela atenção e dedicação e sobretudo por nos ajudarem a provar que um texto num blogue merece ser lido devagar e com todos os sentidos. 

Em nome de todos os autores obrigado e até Setembro.

 

publicado por Nuno Miguel Guedes às 05:39
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Sexta-feira, 29 de Julho de 2011

Silêncio, por favor

 “O exercício do silêncio é tão importante quanto a prática da palavra”. William James

 

“As melhores palavras são aquelas que se parecem com o silêncio”. Tolentino Mendonça

 

“As pessoas deviam ser como os telemóveis: ter o seu modo silencioso”. Anónimo

 

Onde é que hoje conseguimos encontrar silêncio? Não sei mas ando à procura. O mais tranquilamente possível. A única coisa que sei é que estamos, como nunca, rodeados de ruído como as bucólicas vaquinhas estão rodeadas de moscas. Não só do ruído que se ouve mas também - e sobretudo - daquele que se lê e vê neste território ensurdecedor em que se transformou a internet. Passada a febre dos telemóveis e da sua competição de toques parvos, a net passou a ser o local mais ruidoso do mundo – mais ruidoso do que milhões de discotecas em Ibiza a funcionar em simultâneo com o volume no máximo. Devíamos aceder à rede com tampões nos ouvidos.

 

Isso: toda a gente berra indignações ao mesmo tempo. Toda a gente - e aqui não há inocentes nem “intelectuais puros”  - tem um link absurdo para partilhar, uma causa bizarra para difundir, um comentário a despropósito para fazer. O que fica desta chinfrineira toda? Uma inveja tremenda do Dailai Lama. A urgência em assistir a um filme do Buster Keaton. A vontade de mandar calar a Sarah Palin.

 

Sim, sim, já sei: o ruído da rede não é um fenómeno próprio, desligado do resto do universo. O problema está na sua capacidade difusora. A net reproduz o ruído do tempo na mega escala que se conhece. Uma não-notícia de rádio torna-se aqui facilmente num não-acontecimento comentado por uma infinidade de não-especialistas instantâneos. Tornámo-nos todos ruidólogos. Gente licenciada para comentar o ruído do mundo. Fazendo, estrondosamente, parte dele.

 

Além disso, lembrou-o e bem o cidadão Steiner, já não conseguimos viver nada em privado. Temos de ir logo fazer queixinhas para o nosso blogue e para o nosso twitter. Aquilo que podiam ser experiências só nossas transformam-se em barulhinhos quando entram no espaço público. Porque cabem na perfeição numa definição apropriada de ruído: tudo o que não interessa ouvir e é ouvido porque encontrou uma audiência.

 

Como diz o outro, o diagnóstico – e o mal - está feito. Resta saber como é que se consegue reagir a isto a que chegámos por laxismo ou conveniência (há, sabemo-lo, quem lucre com a gritaria). Se ainda vamos a tempo de, à semelhança dos bovinos, enxotar o mosquedo que nos atrapalha a concentração e a transcendência. Aqui ficam algumas ideias para fugir ao ruído e promover essa bizarria pós-moderna chamada silêncio:

 

Comprar/alugar uma casa sem rede. Não percebo por que é que uma casa que não tem rede vale menos do que uma casa que a tem. Aliás, as imobiliárias deviam acentuar o bom que é, nestes dias, comprarou alugar uma casa sem rede, onde não se consegue receber nem uma chamada do Papa nem, já agora, fazer uma ligação a uma internet mais lenta do que um raciocínio racista. Um apartamento à prova não de bala mas de chamadas, SMS’s e Farmvilles devia valer ouro.

 

Ir apenas a cafés livres da praga do wireless. O wireless é considerado o supra sumo da barbatana para os internautas. Em cada esquina há um café que anuncia que se pode navegar rápido, sem fios e sem limites enquanto se bebe a bica com adoçante. Esses café são inimigos de si próprios. Promovem a fuga àquilo que o café deve ser: um espaço onde os únicos links admissíveis vivem nas boas conversas à mesa. O resto faz feedback.

 

Frequentar bibliotecas e livrarias orgulhosamente antigas e bolorentas. Sim, estar rodeado apenas de estantes, num ambiente “d’ outro tempo”, com livros que já não se encontram em lado nenhum, é um antídoto eficaz contra a ruideira dos dias. Experimente-se a extravagância. O mais certo é encontrar no local investigadores corcundas também eles suficientemente ancestrais para fazerem uma visita guiada ao local, tão silenciosa quanto a sabedoria que escondem.

 

Criar um Biggest Loser dos Info-Dependentes. Nós estamos gordos, muito gordos. Mas não é das comezainas – é de informação mesmo. Consumimos demasiados noticiários que, em vez de nos tornarem mais conscientes, nos tornam apenas mais demorados nas opiniões e decisões, mais confusos. A gula informativa precisa de ser tratada. E nada melhor do que fazê-lo através de um programa de televisão, onde os concorrentes chegam com os vícios dos consumidores de todos os telejornais e todos os Google News e saem preparados para apenas consumirem uma refeição informativa frugal.

 

Fazer retiros em horas de ponta. Há aquelas pessoas que vão durante quinze dias para mosteiros tratar da higiene do cérebro, gesto demasiado fácil e normalmente com limitados resultados. Difícil é trazer um pouco desse ambiente de mosteiro para o quotidiano de cidade ocidental ansiosa e pós-moderna. Isso é que é, digamos, subversivo e necessário. Encontrar laivos de meditação na Tasca do Zé Alfredo e no ambiente dos mercados bolsistas. Introduzir algum sossego no IC-19 em hora de ponta. Existe, algures no caos internético, um site (http://www.silencio.pt/) que pode ajudar à tarefa. É uma empresa apostada, segundo diz, em resolver problemas de ruído. Pode ser que, numa missão de serviço público, aceite insonorizar as nossas vidas.

 

publicado por Nuno Costa Santos às 23:14
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Not in the moody's? Agora aguentas, bebé.

Jerry Seinfeld disse em tempos que para se ser taxista em Nova Iorque bastava ter uma cara e um nome com 3 consoantes seguidas. Passa-se o mesmo com o exercício de opinião. Hoje em dia, uma conta numa rede social chega. Dá-se inclusivamente o caso, ainda mais curioso, de o sujeito não ter uma opinião, mas transmiti-la na mesma, dando mundos ao mundo enquanto se sujeita ao apertado escrutínio da comunidade. De Barack Obama a Samuel Massas, passando por António José Seguro, todos partilham uma certeza: esse adágio do “penso, logo existo” é um disparate. Existe quem está na rede, de preferência a fazer um figurão.

 

Ban Ki Moon, secretário geral das Nações Unidas, foi nesta cantilena e diz que é preciso dar espaço à “geração facebook”. Primeiro, é de notar que, pela primeira vez na história das declarações infelizes, alguém me associa a um grupo de pessoas que inclui a minha mãe, os organizadores daquela manifestação contra cenas em Março, e o Hélio Imaginário. Ban Ki Moon foi parco em explicações, o que por um lado é chato, porque adoro ouvir sul-coreanos a falar inglês, mas é também positivo, porque me permite interpretar a sua declaração como bem entender.

 

Ponto um: é necessário dizer que sim, a minha mãe parece muito mais nova do que é, mas já tem idade para ter juízo. Há um abismo geracional entre nós; prova disso é o facto dela gostar verdadeiramente do Demis Roussos e eu apenas gostar ironicamente, preferindo antes os sábios ensinamentos de um Morrissey. Por outras palavras: a minha mãe pertence a uma geração essencialmente feliz, ao passo que eu pertenço a uma geração que cultiva a infelicidade, ou desassossego, se quisermos soar mais complexos quanto ao facto de estarmos fodidos com a vida. Demis Roussos, 1 – Morrissey, 0.  

 

Depois, há os manifestantes de 12 de Março, pessoas que simbolizam o novo empreendedorismo português, e das quais não me poderia sentir

mais distante, tanto no que diz respeito à ideologia como à dificuldade em explicar essa mesma ideologia, se alguém me perguntar. Quem me conhece sabe bem que pertenço a uma outra leva de indivíduos, pessoas também na casa dos vintes e trintas disponíveis, isso sim, para substituir os mais velhos na função de responsável por-esta-merda-continuar-como-está. Enquanto o país não andar para a frente, estou eu a progredir. Processem-me.

 

Por último, Hélio Imaginário, um ajudante de cozinheiro anafado que caiu a andar de skate. Segundo a imprensa especializada em notícias com um piadão dos diabos, sensivelmente toda, a resposta das Caldas da Rainha a Johnny Knoxville já é o vídeo português mais visto de sempre. A coisa, para quem ainda não viu (e respira), retrata de forma ímpar os últimos 35 anos da história económica e política portuguesa, até ao mundo globalizado de hoje (ver sodomia e saudade na Wikipedia). Uma estrada inutilizada, provavelmente paga com fundos da UE, e um tipo com demasiada bazófia e uma duvidosa ausência de temor, vulgo esperança/optimismo, espeta-se ao comprido num terreno propício à exploração agrícola, uma técnica de subsistência popular no século passado. Ban Ki Moon sabia, afinal, do que falava, e eu seria doido e imprevisível se não terminasse este texto com um absoluto e sonoro “SOMOS TODOS O HÉLIO.”

publicado por Vasco Mendonça às 17:31
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Terça-feira, 26 de Julho de 2011

Tá ligado?

Caguei para a discussão sobre o acordo ortográfico. Caguei paquidermicamente para as petições e votos de protesto e votos de apoio e discursos patrioteiros de pacotilha e discursos estratégicos de mundividência pessoana e da história com h e da outra com e. Poupem-me aos gazes, à azia, aos arrotos e, sobretudo, às hemorróidas, daquelas que chegam ao tornozelo e transformam o belo e íntimo tempo de reflexão e leitura com as calças arreadas num inferno com o Vasco Graça Moura com os Lusíadas numa mão e a foice noutra pronta a degolar quem escreve actor sem c, que a merda da discussão me provoca.

Quero lá saber se o português correcto é o do corrector ortográfico do Lobo Antunes ou o do Ubaldo Ribeiro. Vá, digam lá, devo achar a prosa do Cardoso Pires genial por escrever duma maneira ou a do Reinaldo Moraes uma treta por escrever que a pemba do homem era uma borduna bororô (eh lá, tanto tracinho vermelho ...). Eh pá, ou devo dizer eta rapai? Que saco de conversa.

Vai ser, de certeza absoluta, um acordo ou a ausência dos livrinhos a explicar como se escreve adoptar ou a fazer um desenho do tracinho que não se deve utilizar entre mini e saia que vai fazer o Wanderley de Mato Grosso, o Chico de Felgueiras, o Manel de Cabinda ou o Lopes da Beira adoptarem (com p e tudo) o que meia dúzia de iluminados acharem por bem dizerem ou escreverem. Pelamordideus.

Chamem-me o picheleiro mais próximo para desbloquear tanta arenga pretensiosa. Dedetizem-se as bocas e as canetas dos defensores e dos críticos. Deixem em paz os nossos códigos, as nossas diferenças ou semelhanças, as nossas pilas ou os nossos pintos.

Irritam-me tanto os arautos da lusitanidade com a mania que têm um mandato directamente atribuído pelo Dom Afonso Henriques para a defesa do português praticado entre Coina e Barcelos como os que pensam arrumar o modo de escrever em meia dúzia de livros cheios de regras. Vão mas é levar na bunda.

Aprendam com o homem: a minha pátria é a minha língua. Mas leiam bem: a minha. Enquanto eu entender o significado de xoxota, a língua também é minha, quando eu deixar de entender já não será. E não há nada que a traga de volta, façam-se os acordos que se fizerem.    

E um abraço para o mermão Reinaldo Moraes que nos últimos dias me ensinou mais sobre a minha língua que trezentos mil artigos sobre as virtualidades e os defeitos do acordo ortográfico.

publicado por Pedro Marques Lopes às 00:05
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Segunda-feira, 25 de Julho de 2011

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publicado por Pedro Marques Lopes às 23:59
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o estranho caso de amy

Pedindo permissão ao NMG por persistir no assunto.

 

Agora, soará a piada de mau gosto, mas sempre achei que o problema de Amy Winehouse não seria bem a droga, mas os dealers. Vejamos David Bowie, Iggy Pop, todos os Rolling Stones, Ozzy Osbourne, toda essa gente que consumiu hectares de plantações e laboratórios durante décadas e ainda aí está, pronta para nos enterrar. Amy andou, desde cedo, a fazer qualquer coisa terrivelmente errada.

O mais chocante na notícia da sua morte não é a notícia em si, mas o facto de todos, há tanto tempo, a esperarmos. E tenho dificuldade em livrar-me dum certo sentimento colectivo de culpa nisso. Como aquela gente que assiste, impávida, a um crime.

Nos últimos anos, todos fomos espectadores da morte lenta de Amy Winehouse. Da decadência galopante, do desastre. Amy foi estrela durante um centésimo de segundo; todo o resto do tempo foi estrela cadente. O público não a seguia pelas canções. O público gostava das canções – nenhuma dúvida acerca disso – mas essa Amy artista, essa Amy da obra, era há muito tratada como coisa póstuma. Ela já tinha sido. Agora, era seguida como fantasma de si mesma, à espera do acidente. Amy Winehouse não tinha público; tinha voyeurs. Não tinha espectadores, tinha visitantes do Zoo. Gente grotescamente à espera de qualquer acrobacia exótica.

Espanta-me, com toda a franqueza, que tanta figura inunde agora sites e jornais com declarações acerca do quanto eram amigos de Amy, do vazio que sentem, da memória da pessoa maravilhosa, et cetera, et cetera, et cetera. Toda essa multidão de amigos não serviu de nada. Nem a família, nem os agentes, nem a inominável gente que lhe agendou uma tour cancelada ao primeiro concerto, ainda há um mês. Nem o cretino, quem quer que tenha sido, que terá dito “não, não. Ela agora está óptima. Podem vender bilhetes à vontade. É à confiança.”

Como foi que toda essa gente falhou? Como é que o mundo inteiro não conseguiu salvar uma só rapariga? Uma figura tão frágil que durante tanto tempo todos fomos vendo cair?

Algures pelo caminho, lixámos violentamente os nossos códigos morais.

publicado por Alexandre Borges às 02:43
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Domingo, 24 de Julho de 2011

Crónica indesejada

Por vezes não apetece que os dias mandem em nós. Que nos obriguem a desviar-nos dos nossos planos, mesquinhos ou ambiciosos, tomar um café ou conquistar o universo, o que vier primeiro. Só que quando isso acontece, quando a força implacável do que se vive hoje e agora não nos deixa solução senão a fuga ou o embate será sempre preferível o embate.

 

Não queria escrever esta crónica. Não queria escrever hoje, sequer, e muito menos sobre o que se segue. Mas tenho. Tenho aqui de falar de morte e responder com o que posso, as palavras, mesmo assim tristes vestígios de quem as escreve. Não queria falar do massacre selvagem na Noruega, país que eu lembro pela sua extraordinária beleza e civilidade dos seus habitantes; não queria falar de Amy Winehouse, mulher que admirava, combatente e perdedora, tão generosa com o seu extremo talento que nem sequer o respeitava.

 

Muitas vezes escreve-se para iludir os dias. Agora não. É preciso perceber que para além do espanto, da indignação ou da dor aquilo  que acontecimentos abruptos e definitivos  como estes nos trazem é o confronto com a nossa própria mortalidade. Ou, para aqueles que seguem Unamuno, com a ânsia invencível que todos temos de imortalidade. Isso é que dói, essa consciência da nossa finitude, que se esconde nos nossos requiems públicos, nas desesperadas análises e especulações que fazemos sobre as vidas que acabaram e não conhecemos. Somos nós também que sempre morremos.

 

Amy Winehouse sempre estará mais próximo de mim porque era dona de uma arte que conhecia. As vítimas norueguesas parecem mais distantes e envolvidas numa trágica formatação que assiste aos tempos que vivemos e que me remete para a imensa estupidez da natureza humana. Mas têm exactamente o mesmo valor, a mesma importância. Morri um pouco com ambas. Tenho apenas uma dádiva que agradeço: a que me permite dizer com S.Paulo «Morte, onde está a tua vitória?»

 

Mas não queria escrever esta crónica.

publicado por Nuno Miguel Guedes às 22:57
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Sexta-feira, 22 de Julho de 2011

País Desengravatado

A Católica coloca a gravata. O governo manda-a tirar. Os gestos são mais consequentes do que aparentam. No primeiro caso trata-se, segundo parece, de uma chamada de atenção para o excesso de xanatismo da população universitária (escusava era de meter a Igreja ao barulho para justificar a coisa, como se só a Igreja exigisse solenidade - em qualquer universidade deve haver a noção que talvez não seja uma grande ideia fazer a defesa de doutoramento com um fato de mergulho lilás). No segundo diz-se - dizem as "fontes governamentais" - que é para poupar no ar condicionado, mas eu prefiro olhar para a medida com um - abre aspas - gesto simbólico - fecha aspas - que tem menos a ver com poupanças do que com uma mudança de atitude.

 

Gosto, sim, gosto de ver o meu país a tirar a gravata - ele que a tem usado tantas vezes a despropósito. Dizem os cépticos que é uma medida só para a fotografia. Não me parece que o seja. É simbólica, sim  - e continuo a defender que as pessoas, no caso os portugueses, precisam de gestos e palavras. E tirar a gravata é o primeiro passo para arregaçar as mangas, que é aquilo que mais precisamos de fazer. Lembro-me de ver Assunção Cristas no primeiro ano da Faculdade de Direito de Lisboa - estava sempre à frente, na primeira fila, composta e super concentrada, ao lado de Gonçalo Castilho dos Santos, que veio a ser mais tarde o secretário de Estado da Administração Pública de José Sócrates. Nunca falámos (eu era um alien naquele espaço e estava mais focado em frequentar alfarrabistas do que em prestar atenção às aulas do professor Jorge Miranda) mas parecia-me alguém muito formal, muito direitinho, muito - no pior dos sentidos - engravatado.

 

Agora parece-me mais liberta desse convencionalismo de aluno bem comportado, de quem convém ter sempre o número para tirar fotocópias na véspera do exame. Resolveu desengravatar o seu ministério. O gesto só chateia um pouco por ser obrigatório. Mas como direcção acho bem - bem melhor do que algumas trapalhadinhas do governo sobre taxas que não eram para existir e agora existem. Lembro-me, aliás, a propósito disto tudo, da possibilidade de recriar os versos de O'Neill tendo em conta a circunstância: "País desengravatado todo o ano/e armado ao pingarelho por engano". Prefiro, se me permitem, viver num país assim.

publicado por Nuno Costa Santos às 19:04
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Terça-feira, 19 de Julho de 2011

Essa mulata quando dança é a luz do sol

O melhor treinador de futebol de todos os tempos, José Maria Pedroto, dizia que ter um brasileiro na equipa era bom, dois era óptimo, três era como ter uma escola de samba no plantel.

O cidadão, a quem a crise não tenha tirado a possibilidade de ir dar uma voltinha para lá do Marão e tenha um conhecimento mínimo da vida e obra dum dos maiores vultos da cultura mundial, recordar-se-á amiúde das sábias palavras do grande Zé do Boné.

Como é do conhecimento geral os brasileiros tomaram conta do mundo. Não há cidade por mais desconhecida ou pequena onde não se ouçam ois, legais paca, sem essas,  ó bens, pooorrras e demais ditos. Diz que os nossos irmãozinhos estão todos ricos, e fartos de viver no paraíso decidiram observar ao vivo outros inferninhos (inferninho em brasileiro não é propriamente uma coisa má, mas isso agora não interessa nada).

Apesar de serem muitos, custa a perceber como é que conseguem estar em todo o lado e em, aparentemente, grandes quantidades. Não há aeroporto, museu, restaurante, rua por esse mundo fora em que o mais lindo português falado não se faça ouvir por cima do burburinho. Nota-se mais, aliás, quando o local exige uma certa moderação no volume dos decibéis.

Os japoneses precisam de andar em enormes grupos para se fazerem notados, eles e as suas máquinas fotográficas em vez de olhos, dois ou três brasileiros são o triplo deles. E não é só a tendência para estarem constantemente a puxar pela bateria. Não há gorda paquidérmica que não se mexa com graça, não há expressão que nos deixe indiferentes, não há desgraça que os atinja ou que, pelo menos, não os divirta.

Eles são como aqueles amigos ou irmãos que invejamos, mas no fundo adoramos.

São os que nunca passam despercebidos, os que mal entram numa sala se tornam imediatamente o centro das atenções; os que não precisam de dizer nada de especialmente inteligente ou interessante para serem os reis da festa, os que podem dizer as maiores barbaridades sem irritar ninguém.  

Pô, os nossos irmãozinhos são o nosso orgulho.

publicado por Pedro Marques Lopes às 01:05
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Segunda-feira, 18 de Julho de 2011

a geração que não está lá

Regresso de um festival de Verão determinado a não me sentir velho e, portanto, a culpar a geração seguinte pelo abismo sentido.

 

Esta geração não está lá. Ela jurará a pés juntos que está, que esteve, que foi a todo o lado e viveu tudo, mas não viveu patavina.

Nunca lho conseguiremos provar. Ela terá muitos gigabytes de fotos e vídeos para demonstrar o contrário. Ali está ela no concerto, junto às estrelas, cheia de amigos, perdida de felicidade, coberta de pó, bronzeada da praia, com um chapéu de brinde na cabeça e o enésimo copo na mão. Ali está ela noutro palco e, depois na pista de dança, e no bar, com outros amigos, e depois com outros e ainda mais amigos, ainda mais perdida de riso, ainda mais cheia de histórias. Ali está ela no parque de campismo, e no hotel, e no outro festival, e na outra praia. Ali está ela, sempre vestida pelos códigos da moda daquele ano, ainda que o corpo seja o mesmo e não sirva para aqueles calções. Ali está ela a cumprir todos os pontos da lista: o festival, a praia e a roupa da moda, a foto, o vídeo e a rede social. Tudo como deve ser. Tudo o que é obrigatório para ser feliz e cool.

Duvido que tenha ouvido uma canção. Que saiba uma letra. Que tenha sentido qualquer coisa que não precisamente aquilo que esperava à partida.

Ela não esteve lá. Passou por ali, mas esteve sempre noutra parte. Deambulou de palco em palco e de bar em bar, fotografou e falou de tudo com toda a gente. Não sentiu uma só canção até ao fim.

Ela vive como tem aprendido a viver: clicando. Não sente, não mergulha, não entra, não toma uma decisão, não escolhe entre isto e aquilo. Ela quer tudo, de modo que clica nas coisas e segue para as seguintes. Está clicado. Já viu. Já disse presente. Já sabe o que é. Não precisa de ver mais nada – não é assim que se faz? Haverá mais alguma coisa para ver?

Quando lhe perguntarem se viveu intensamente, responderá, briosa, que sim. Sem dúvida. O mais possível. Pior será o dia em que faça a pergunta a si própria.

A vida não se mede em álbuns de fotografias nem cruzes na agenda dos eventos da moda.

Em breve, ela tentará compreendê-lo nas sessões de terapia. (Ter um terapeuta é muito mais in do que ter um cérebro).

publicado por Alexandre Borges às 01:52
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