Quinta-feira, 30 de Junho de 2011

Romãs de Istambul

Se a lembrança mais forte que se traz da intemporal Istambul é a das suas romãs, desafio Constantino, Atatürk, Ricardo Quaresma e a humanidade em geral, e só me resta abrigar-me na fortaleza das recordações de infância, território ao abrigo de um pacto de não-agressão. Ao explicar o primado das romãs da casa dos avós alentejanos sobre as exuberantes frutas tropicais da casa dos avós madeirenses, não posso esquecer a singular romãzeira do quintal de Ourique, porque estabelecer o parentesco entre o fruto e a árvore conta, mas só o receio de ser chamado de menino da mamã faria com que não reconhecesse também em público que a cor de natureza morta da casca da romã, as suas gretas e o conglomerado vivo do interior estarão para sempre associados ao carinho da minha mãe, de uma forma tão forte que nem a releitura de Proust contaminará esta associação com o sabor do raio da tal madeleine involuntariamente recordada, porque se trata mesmo uma vontade consciente. Ainda hoje, mas com a devida infrequência, quando por vezes chego a sua casa e a minha mãe anuncia que me espera uma taça cheia de bagos de romã no frigorífico, só não fico absolutamente feliz por ter logo presente que jamais lhe poderei retribuir em atenção a entrega que descascar uma romã para alguém tão bem simboliza. Foi por isso que, ao passearmos pelas ruas de Istambul, nos concentrávamos tanto nas romãs por ali à venda, mais vistosas que as nossas, de uma cor de granada a induzir um tropismo tão grande que chega a ser contraproducente para o comerciante, pois são tão bonitas que basta ficar ali quieto a olhar para elas. Não foi a primeira vez que notei um desajuste entre o forma como o mercado e eu entendemos a romã.

 

Há uns anos, quando vivia em Nova Iorque, um certo empreendedor, talvez também marcado pela descoberta na infância da romã, mas com uma ambição e proselitismo que não possuo, invadiu os supermercados com garrafas de sumo de romã, então vendida como uma panaceia capaz de vencer tumores, retardar o envelhecimento, prevenir doenças cardiovasculares, aliviar inflamações e, claro, curar a depressão. Provei o seu produto sem grande entusiasmo, pois consumir romã pelo gargalo não reproduz o prazer táctil que precede a explosão dos bagos dentro da boca, mas ainda movido pela possibilidade de os frutos nos poderem salvar. Comer fruta é uma das poucas acções a que gosto de associar alguma irracionalidade. Não me custa provar pela razão a superioridade da fruta sobre todas as outras sobremesas, mas tendo a esquecer os milhares de anos de selecção artificial que nos deram a maior parte dos frutos que hoje consumimos, só para continuar a pensar que comer fruta me devolve à natureza, me regenera e purifica, numa relação que não pede intermediários, nem implica outra contingência além de um céu limpo entre o Sol e a Terra - e não será esta suspensão do conhecimento uma forma de religiosidade? Daí ter cedido à tentação de acreditar com fervor que a fruta cura a depressão e ter embarcado em exercícios revisionistas, que retiravam ao antidepressivos o mérito logo associado à maçã-reineta que por acaso tinha trincado na semana em que arrebitei.

 

Não serei o único a cair nestas ilusões. Aliás, não devem sobrar dúvidas e é até com alguma pretensão de serviço cívico que o escrevo: o que faz funcionar o mercado em expansão dos livros contra os antidepressivos e das soluções alternativas vai além da natural desconfiança face aos interesses comerciais e corporativos das farmacêuticas; o que explica este mercado é o desejo que os deprimidos têm de que os seus antidepressivos nada mais fizeram do que simbolizar o poder das suas mentes contra a doença. Da sua força de vontade. Da sua personalidade. Porque não seria apenas uma boa notícia, seria um renascimento. Só assim se explica a situação absolutamente insólita que é um doente reagir com alegria  à notícia de que o medicamento que tomou foi um placebo, isto é, que o enganaram. Mas como as farmacêuticas nem sempre são vilãs e a serotonina é mesmo parte do que somos, o que fazer? Talvez defender os nossos afectos, protegê-los do desgaste dos anos, cuidar deles como em tempos cuidavam do quintal de Ourique, hoje com a sobrevivente romãzeira cercada de ervas daninhas. Não é preciso gostar de fruta, nem ter ido à Turquia; o importante é encontrar as romãs de Istambul.

 

publicado por Vasco M. Barreto às 13:00
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Terça-feira, 28 de Junho de 2011

Efectivamente

Acabo de ouvir um interessantíssimo programa sobre os problemas de obesidade dos cães e dos gatos. O tema é mais vasto, segundo os intervenientes do debate existe um problema de excesso de peso na generalidade dos animais de companhia. Apesar do tema obesidade ser uma das minhas várias fontes de preocupação não me correram lágrimas pelos olhos abaixo. Confesso, ligeiramente embaraçado, que o colestrol canino, os trigliceridos felinos ou o ácido úrico hamsteriano não me tira o sono.

Um dos ouvintes, lendo o meu pensamento, telefonou para a rádio, desatou a insultar as almas frias e insensíveis que afastavam da ordem do dia a discussão de tão relevante tema elogiando a corajosa iniciativa. Acabou o discurso com uma citação do Alexandre Herculano: “quanto mais conheço os homens, mais estimo os animais”.

Como a mim também me dá para fazer generalizações idiotas quando o calor me torra os neurónios, queria dizer que os indivíduos a quem já ouvi fazer comentários daquele género eram todos ou cretinos chapados ou infelizes criaturas com sérios problemas de convivência social ou tristíssimos punheteiros ou gente com uma auto-estima tão pequena, tão pequena, que chega a passar por convencida e pretensiosa. Normalmente têm todas as qualidades enunciadas.

Mais uma vez com o Estio como desculpa lembro apenas: as pessoas dão trabalho.

Dá trabalho ter amigos, não é fácil lidar com os humores daqueles que gostamos. Amar, ser amigo de alguém, não é como salivar quando alguém nos dá um gosto. Não existem amores ou amizades incondicionais. Não damos uma coça a um amigo e esperamos que ele nos beije no momento seguinte.

Somos assim, bons agora, maus depois; ternos hoje, cruéis amanhã; fieis de manhã, promíscuos à noite; vemos só qualidades no nosso amigo e uma hora depois descobrimos lamentáveis defeitos. Somos um mundo de sentimentos e de dúvidas, duvidamos dos outros tanto como duvidamos de nós próprios.

Gosto de gente. Das qualidades e dos defeitos. Da  imprevisibilidade. De saber que vou ter de lutar pela sua fidelidade e pelo seu amor. De ter a certeza que não me vão dar a pata porque isso lhes está na sua natureza ou porque lho ensinaram. Das suas traições e das suas paixões.

Ah, os bichos são giros.

 

 

 

 

 

 

 

 

publicado por Pedro Marques Lopes às 00:12
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Segunda-feira, 27 de Junho de 2011

lições dum fim-de-semana de 40 graus e muitos quilómetros

  1. Quando se vive perto do mar, assiste-se todos os anos ao mesmo espectáculo embirrento: a romaria de gente que se veste como se estivesse em Lisboa, mas de chinelos, gente que está convencida de que, assim, se veste à campo. Gente que vai ali falar da vida de Lisboa e que vai regressar a Lisboa a falar de como é bom viver no campo. Gente que nunca ali passa o ano inteiro, aterra no Verão e cuja presença estridente ofusca a gente que ali vive de facto. Tudo isto é indefensável racionalmente, mas, para quem vive junto ao mar, esta gente que aparece lustrosa no Verão lembra as vedetas que aparecem nos eventos de caridade e desaparecem quando sai o último fotógrafo. Os amigos que só dão sinal de vida quando estamos na maior. Os montes de esterco, enfim, que sabemos que não contam para nada que valha realmente a pena.
  2. Na Serra, não é fresquinho. Na Serra, faz um calor estuporado. Na Serra, a gente pensa que aquela malta estendida ao sol, na praia, ali tão à beira do mar, com tão pouca roupa, vai-se constipar.
  3. Na vila, bandas anódinas em Lisboa enchem praças centrais e são chamadas para três encores. O Licor Beirão é barato. Os supermercados são sítios silenciosos e até à moça da caixa faz piadas. Há miúdas giras, miúdas com a mania que são giras, miúdas que não sabem que são giras – mas isso é assim em toda a parte. A diferença, porventura, estará na roupa. A roupa que, ao mesmo tempo – e isto é um mistério indecifrável – as faz giras e não faz. Há tipos a passear as amantes – dizem-me – na festa, como se estivessem entre a multidão anónima da cidade grande. Há muitos carrinhos de bebé. Engarrafamentos de carrinhos de bebé. E umas quantas grávidas. E muita criança. Dizem-me que ali há tudo: supermercados, seguros, piscina, cine-teatro. Que havia todos os bancos excepto um que, entretanto, já apareceu. Desconfiamos, mas a verdade é que não encontramos qualquer coisa que não esteja lá.
  4. Os comboios continuam a fazer o mesmo som da infância. E continuam a andar depressa, mas a demorar-se quando passam pela face de algumas paisagens. Ainda nos ataca aquele sentimento confuso, quando descemos na estação da vila, sentindo que ninguém nos espera, ninguém nos conhece, que ali teremos de começar uma vida nova, tentar guiar os miúdos do liceu a uma metafísica qualquer que, no fim, só lhes dará mais palavras para o sofrimento.
  5. Numa casa de família, mostram-me o facebook. Já não é uma tentativa de conversão, mas pura vontade de partilhar qualquer coisa que se tem por mágica. Mostram-me fotografias antigas. Tenho-as a quase todas em papel. Leio os comentários saudosistas que desenterram histórias a propósito. Lembro-nos de muitas, tinha esquecido muito poucas, estava quase a conseguir esquecer as restantes. Depois, passa o entusiasmo aos escribas e acabam os comentários. Está lá exposta parte da nossa vida contra a nossa vontade. Estamos lá mesmo não querendo. Negamos tudo. É montagem.
  6. Uma menina de 5 anos não se lembra de que já estive em casa dela umas dez vezes. Dou por mim a dizer, pela primeira vez na vida, a frase tremenda: “Andei contigo ao colo.” E ela a achar aquilo uma coisa extraordinária. Não se lembra de me acordar para ir almoçar com o pai e a mãe, não se lembra das prendas que lhe dei, não se lembra das conversas que tivemos. Nunca mais se lembrará. Mas é terna e encantadora com este homem de quem nada recorda, disposta a começar tudo de novo.
  7. De que servem a memória e a história? Estão 40 graus, os forasteiros do costume invadiram-me a terra, fugi para a vila, bebe-se barato e talvez possamos comprar um vestido de verão a uma das moças da praça. A menina de 5 anos promete-me, na estação, de que, da próxima vez, se lembrará de mim. O comboio arranca e faz o mesmo som que fazia na infância. Na minha e na dela.
publicado por Alexandre Borges às 07:35
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Domingo, 26 de Junho de 2011

A queda

Os acidentes acontecem, já garantia noutras vidas o nosso Elvis Costello. O problema é que só acontecem aos outros. Até que.

Descansem os leitores que aqui não irei descrever grandes sinistros ou catástrofes mórbidas. A base da crónica é uma historieta pessoal, sem moral ou ambição que não seja lembrar que de vez em quando todos tropeçamos nos nossos dias. Literalmente, caraças.

 

Comecemos assim: a noite estava linda. Depois de um repasto bem regado de vinho, poesia e virtude (pronto, esqueçamos a última) um tipo decide ir beber mais um copito, one for the road, sorver o que fica da noite e finalmente apanhar um táxi para o local onde deixou o carro. Erro: ao sair do táxi o tipo - chamemos-lhe, de modo fictício, «eu» - não repara no típico desequilibrio entre o alcatrão e o lancil da calçada portuguesa e - zás,queda aparatosa, aconchegada pelo rosto no paralelipipedo, onde está o Cirque du Soleil quando precisamos dele. Baixas: dois dentinhos frontais que dão muito jeito. E uma certeza: o individuo que cunhou o provérbio «ao menino e ao borracho põe Deus a mão por baixo» era um irredimivel ateu. 

Agora reparai no vicio dos tempos hodiernos, leitores: se «eu» (nome fictício) não fosse um excêntrico que utiliza um telemóvel exclusivamente construído para telefonar e receber telefonemas - «eu», dizia, teria imediatamente colocado no status do facebook, respondendo à lendária pergunta " o que é que estás a pensar?" com "que bati com as trombas na calçada". Mas não.

 

Tudo se resolveu. Sem as duas dentuças da frente até melhores dias (que são para breve), restava explicar a amigos e colegas de trabalho o que tinha acontecido. «Um acidente», dizia «eu». Mas como, de carro, atropelamento, contacto com os acampados no Rossio? «Uma queda». E aqui, amigos leitores, um tipo perde imediatamente a dignidade. Quem nos estima preocupa-se, mas não disfarça o gentil desprezo: quedas são para crianças e idosos - não para um tipo, hum, na flor da idade. Um tipo («eu», digamos assim) bem se arroga de referencias literário-musicais patéticas, A Queda do Camus, The Fall do Mark E.Smith: népia. Para quem ouve vai dar tudo ao Bucha e Estica ou ao Charlot. É triste, mas é assim. Não existe dignidade no tropeção dos quarenta anos. E não estou a fazer metáforas. 

 

De maneira que cá ando, obrigado por perguntarem. Escrevo esta crónica sem os dois dentes da frente, com um sorriso entre o lactente e o geriátrico.Mas isso resolve-se, mais cedo ou mais tarde. A grande lição que retiro destes dias pós-queda é a descoberta do mais inexplicável fenómeno, que se encontra sempre longe de tipos alimentados a cepticismo de biblioteca como «eu» (nome fictício). E essa descoberta invade os dias, de casa ao café do bairro, do vizinho ao amor da nossa vida, dos amigos aos que nunca nos irão conhecer. «Eu» descobri, de modo estúpido e burlesco, a extrema urgência de partilhar um sorriso. 

 

publicado por Nuno Miguel Guedes às 04:54
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Sábado, 25 de Junho de 2011

O melhor amigo do cão

 

Não sei quantas canções de amor foram explicitamente dedicadas a cães, mas hoje, por motivos tristes, lembrei-me de uma. Ainda me recordo de ouvir a letra pela primeira vez – há mais de 10 anos atrás, era eu um puto estúpido – e de ir acompanhando verso a verso. A minha primeira impressão – “there’s something with the way you walk / there’s something there that sparks” foi de que o autor estava claramente apaixonado, e que seria porreiro imitar o ímpeto adolescente e dedicar isto a uma miúda. Pouco depois, dei por mim perplexo quando o vocalista diz “you sit by me and i scratch your back”. Podia tratar-se de alguma expressão idiomática do foro amoroso, não fosse o verso seguinte “you lick my hands / then i get a rash, but that’s ok”. Ou se tratava de um fetiche bizarro, ou de uma declaração de amor a um animal. Logo a seguir, a letra parece regressar a uma definição de amor entre humanos - “because we, we are a team / you make a mess and then i clean” - mas, meia dúzia de versos depois, as piores suspeitas confirmam-se: “there’s something with the way you act / makes me laugh when you chase the cats”. Então o gajo está a falar sobre um cão.

 

Depressa abandonei a ideia de dedicar a canção a uma miúda; também nunca tive um cão. E é aqui que suspendo todo o meu cinismo (na verdade já o tinha suspendido ao escolher este tema para uma crónica). Não vos sei dizer como é a relação com um canídeo, mas, pela tristeza que vi hoje nos olhos de quem o conhecia, pelas histórias que os mesmos olhos me foram contando, e pelo lugar incontornável que essas histórias ocupam da vida das pessoas, sei que andava algures entre a recuperação diária da infância e um verdadeiro amigo que se tem. E esta cantiga absolutamente esquecida e irrelevante, que não ouvia há 11 anos, da qual não sei bem como me lembrei hoje, a cantiga que jamais consegui dedicar a uma miúda, segue hoje finalmente com uma destinatária.

publicado por Vasco Mendonça às 19:25
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Sexta-feira, 24 de Junho de 2011

Igualdade de oportunidades

Temos andados distraídos com assuntos menores e ainda não tratámos do essencial: é preciso haver igualdade de oportunidades no acesso ao like. Há gente com muitos likes e gente com pouco likes. E ainda há gente que nem um like tem na vida. É uma injustiça - e que vem mostrar que neste país as desigualdades são de factos brutais. Cidadãos com mérito fazem grandes postas e nem um dos seus 15 amigos (mesmo aqueles que se julgava serem mesmo amigos) vai lá com o cursor. Aparece um famoso é o que se vê. Não é ou não devia necessário ser conhecido ou famoso para atingir os 50 likes com posts tão imprescindíveis como "tá calor, não tá?" ou "fui ver o Prince a Boston e achei uma merda". Qualquer cidadão devia poder ter o seu like mínimo garantido. Sim, porque há discrepâncias. Injustiças. Desníveis que é necessário reparar. Já vi muito posts de mérito que tiveram pouquíssimos likes para o que mereciam (um post sobre o Townes Van Zandt só teve três ou quatro likes na página de um amigo, o que me ofendeu bastante).

 

Depois vem um qualquer que tem 41 likes porque meteu um vídeo de um gajo que fica sem fato de banho em Carcavelos (no fundo quer é ser famoso e aparecer). E é assim que vai o país. A redistribuição do like devia estar na ordem do dia. Porque um like nunca é só um like. Um like é a hipótese de novos e novos amigos, cada vez mais influentes. Novos contactos nos círculos do poder. De um lado uma multidão de excluídos do like e do outro as famílias que dominam o like. Isto do facebook prometia muito mas afinal são dois ou três gajos que dominam e os seus amigos todos. Conheço gente que já mete cunhas para ter um likezinho em posts mais alternativos (tipo um video de um homem a comer cozido durante 57 minutos).

 

Isto só vai lá com  correcção e regulação por parte do Estado. Ou então em apostas de privados neste mercado da cibersolidão. Ainda ontem falei disto num encontro de personalidades internetizadas: por que não criar uma experiência "A Vida é Bela" para gente com poucos likes? A experiência "Bué da Likes". Assim de repente um enxame de links em posts pelos quais o cidadão não dava nada - um haiku plagiado: "O sol, três patos e o Roberto Baggio". Mais: por que não criar uma empresa que trate de colocar likes em posts de gente pouco amada? Um tipo com, vá lá, 17 amigos acordava, ligava o computador e percebia que a frase que tinha colocado na noite  anterior (e que ele nem achava nada de especial) - "Amo a vida, vá" - tinha 352 likes, alguns deles de pessoas famosas como o Rui Veloso e a rapariga que apresenta o programa com o Goucha. Também merece, não?

publicado por Nuno Costa Santos às 19:50
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Quarta-feira, 22 de Junho de 2011

Brincar ao Watergate no Facebook

É muito curioso quando alguém que conhecemos se vê envolvido em querelas públicas. Assistimos a um desfilar de acusações e defesas que vão da psicologia à Dr Phil ao simples insulto. E concluímos que a maior parte das vezes a opinião das gentes não diz respeito ao problema ou à pessoa em questão - é antes uma forma de destilar a própria amargura.

Pensei nisso quando li, por toda a blogosfera, que o Rui Tavares se mantém no Parlamento Europeu pelo tacho. O Rui, diga-se, não é o melhor dos meus amigos. Por muitas razões, duas das quais se podem enunciar assim: primeiro porque ele tem melhor gente com quem perder o seu tempo; depois porque eu não tenho tempo ou paciência para ser o melhor amigo de ninguém.

Presumo que a história seja conhecida: num belo dia Francisco Louçã, que eu não conhecia mas passei a conhecer graças a este caso, resolveu corrigir no Facebook o erro de um jornalista. O dito, num texto, tinha-se enganado acerca dos fundadores do Bloco de Esquerda. Segundo Louçã o jornalista tinha sido induzido em erro por Rui Tavares. Louçã conclui que "é simplesmente uma falsificação a tentativa de retirar o Fernando [Rosas] desta história e de a refazer com novos protagonistas". Tavares reagiu dizendo que enquanto historiador nunca faltaria à verdade e que não conversou com jornalista algum. E exigiu que Louçã se retractasse, o que este não fez. 

(O jornalista cometeu suicídio na madrugada seguinte, deixando namorada, namorado, dois gatinhos siameses que sabem recitar a Bíblia em Aramaico e um relógio do Ben 10.)

O argumento do Rui não lhe serve de muito: haverá certamente historiadores capazes de deturpar a história, bem como economistas capazes de interpretar mal números, notícias, ou mesmo a fé dos humanos em demagogos sem escrúpulos. Contudo, para quem conhece o Rui, a história de Louçã não faz muito sentido.

Tentando não me parecer demasiado com o Dr Phill, arriscaria dizer que não está nas moléculas constitutivas do Rui perder tempo a tentar enganar jornalistas acerca da história do Bloco; também desconfio que nunca lhe ocorreria que um jornalista de política não soubesse a história da fundação do Bloco; e menos lhe ocorreria, habituado que está a fazer os trabalhos de casa, que um jornalista não verificasse uma informação; e desconfio que se se desse ao trabalho de tentar manipular quem quer que fosse para atingir a direcção do Bloco não seria estúpido ao ponto de ser tão pouco subtil e tão facilmente apanhado. 

Porque - e este argumento, para qualquer tipo que conheça minimamente o Rui, parece óbvio - o Rui não é estúpido nem politiqueiro, em parte porque ser politiqueiro implica ser-se estúpido. Implica acreditar que se é capaz de enganar o povo como quem engana um cãozinho esfomeado. E fazê-lo de forma esteticamente repugnante, como os realizadores que fazem slow motion no momento em que uma bala entra num corpo. Não sendo estúpido, o Rui perceberia de imediato que dar uma informação pornograficamente errada e que facilmente se perceberia só poder partir da sua própria mente tirânica e doentia seria meio caminho andado para destruir toda a sua reputação. 

Mas o Rui não é estúpido. É até um tipo bastante inteligente, que tanto quanto me foi dado ver não tem paciência para perder tempo com idiotices - embora, imagino, por vezes tenha de perder tempo com idiotas. Sei isto porque ele já perdeu tempo comigo.

O final da história é caricato: metade dos opinadores acreditam que o Rui se mantém no Parlamento Europeu pelo "tacho". Talvez. Mas nesse caso teremos de corrigir: por dois terços do techo. É que o outro terço o Rui usa-o para criar bolsas de estudo a quem delas precisa. No que é caso único tipo em Portugal. 

É curioso também ver historiadores como o José Neves, que é certamente muito mais amigo do Rui, das massas trabalhadoras oprimidas e do Bem que eu - e cuja inteligência não pode ser posta em causa porque recebeu um prémio - afirmar que Tavares não tem legitimidade para abandonar a bancada do Bloco e juntar-se à dos Verdes.

Este género de argumentos é resumível, num mundo de lunáticos, assim: um independente é convidado para integrar as listas de um partido; o líder do partido faz afirmações que, a serem levadas a sério, dariam cabo da reputação do independente; pelo que o independente tem de vir embora, visto que foi eleito para representar aquele partido, aquela ideologia.

Assim dá-se cabo de dois ou três pormenores curiosos: antes de mais, qualquer indivíduo que vá para qualquer Parlamento serve uma nação; depois dá-se o caso de a um líder que não se faz respeitar não se dever respeito.

Vejamos as consequências do pensamento de José Sedas Neves: a partir de agora todo o independente teria de obedecer às regras do partido que o convidou. Note-se que não foi o independente (palavra curiosa) que foi pedir emprego à porta do tacheiro; foi o partido que - porque aquela pessoa rende votos - o chamou. Chamou aquele (como diria José Neves) homem concreto, que pensa de certa maneira, a candidatar-se ao Parlamento Europeu e aí desempenhar determinadas tarefas que - supostamente - servem os europeus e não apenas os achaques de humor do líder do partido. Se assim fosse, não valia a pena haver qualquer tipo de parlamento. Punham-se uns robôzinhos, ou legislava-se de acordo com as percentagens que cada partido teve na última eleição. Os partidos mandavam um fax com ideias e já estava.

Mas isto de - como diria o José Neves, pessoa premiada - haver homens concretos, que querem fazer coisas em vez de brincar ao Watergate no Facebook, é complicado. Deixa as melhores cabeças da nação a pensar na honra, ai a honra, nessa coisa complexa que são os deveres de um deputado (que se resume a fazer o bem, algo que qualquer criança de cinco anos de idade é capaz de entrever, mas enfim), etc.

No fundo a coisa pode ser posta assim: eis um tipo que não se deixa intimidar e que fez um voto de lá nas coisas que lhe interessam (refugiados e o catano) fazer a diferença; sentados nas suas secretárias a mirar os seus prémios, os pequenos génios da nação inventam tretas para desculpar o Chiquinho; e o povo reclama do tacho em relação a um tipo que abdica de parte desse tacho.

Depois admirem-se do país ser medíocre.

publicado por João Bonifácio às 03:19
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Terça-feira, 21 de Junho de 2011

uma croniqueta de golf

Muitas vezes brinquei com os meus camaradas de volta quando um deles suspirava ou emitia um som ligeiramente mais forte e desabafava: “que chatice, a semana passada joguei tão bem”.  Tinha o meu reportório sempre pronto. Ia desde o clássico “ que pena eu não ter jogado contigo a semana passada para  ter presenciado a excelência do teu jogo” até ao “se calhar, hoje, as condições estão demasiado boas para ti”, passando pelo amáveis conselhos “deve ser por estares muito perto da bola, sobretudo depois de lhe bateres” ou “ experimenta pensares no objecto que tens na mão como um taco de golf e não como uma sachola”.

A minha simpatia não tem limites, eu sei. É evidente, quando me calhavam jogadores com que fazia cerimónia optava pelo “pois, isto do golf tem dias”, mas a coisa soava tão a falso que não raras vezes o cavalheiro ou senhora evitava dirigir-me a palavra até ao fim da volta, apesar dos meus esforços para remediar a situação. Curiosamente, não me lembro de ter ouvido um jogador dizer que hoje, sim, estava a jogar bem,  e que no outro dia não tinha dado uma para a caixa.  

Nunca me aborreceu rigorosamente nada jogar com quem faz 17 pancadas por buraco. Desde que saibam minimamente as regras, que não joguem de putter do tee e que se preocupem em fazer bom ambiente durante as horas que passam no campo, por mim encantado. Aliás, prefiro-os à meia dúzia de parvalhões arrogantes com que joguei, sempre prontos a criticar o jogo dos parceiros e sem sequer olharem para os shots dos outros só porque sabem jogar umas coisitas. Quero distância dessa gente. Confesso, porém, que os rapazes que só calha jogarem mal quando eu estou presente fazem-me subir um piquinho de mostarda ao nariz. Nada de especial, contudo.

Ora, aqui o rapaz esteve uns tempos sem jogar. As minhas delicadas costas, fartas do excesso de arrobas que as fazia transportar todos os dias, queixaram-se, e lá tive de deixar que as perfurassem. Recomecei há meia dúzia de semanas. No último domingo joguei um torneio. O jogo estava a decorrer com normalidade, ou seja, eram mais as bolas que eu atirava para as couves do que as que punha no fairway. Nada de muito diferente da época antes da operação. Chegado ao buraco nove, ouvi uma voz dizer: “eh pá, aqui há uns meses isto não era assim.” Era a voz da triste figura que assina esta croniqueta.

A minha mão é que sabe, quem cospe para o ar arrisca-se a levar com o não muito digno líquido na respectiva carantonha.

publicado por Pedro Marques Lopes às 21:12
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Segunda-feira, 20 de Junho de 2011

a vida ou assim

Não há, leitor, pergunta mais opressiva. Acontece amiúde, não passa de moda, não escolhe géneros nem idades nem classes sociais. Dá-se muito em férias, no regresso à terra ou em dias de puro e simples azar. Esbarramos numa cara conhecida que não víamos há muito, ultrapassamos as interjeições de surpresa e agrado (“Oh!”, “Ah!”, “Olholhó”), seguimos pela berma das pertinentes questões que tentam aquilatar da nossa existência efectiva (“Mas se não é o…”, “És mesmo tu?”, “Não acredito!”), arrebatamo-nos em abraços, beijinhos e sólidos pancadões nas costas e vamos embater de frente na cruel interrogação: “E o que é que tens feito, pá?”

Isto já terá sido estudado. Haverá gente por esse mundo que tem engatilhada a resposta perfeita, súmula e síntese, breve e sumarenta, honesta e não totalmente desinteressante. Mas o memorando nunca me chegou à caixa do correio.

Fico engasgado como quem é apanhado numa maldade. “Há… Pois… Eu… Bem… Quer dizer… Tanta coisa, né?” Mas o interlocutor permanece suspenso, de olhar brilhante, na expectativa de pormenores. “Pá, escrevo, né? Escrevo. Televisão, jornais, essas coisas.” “Mas casaste?”, pergunta o estupor. “Não.” “Filhos?” “Gatos.” “E aonde é que estás a morar agora?”, indaga, misericordioso, dando-nos uma última oportunidade de exibir algo novo. “No mesmo sítio”, balbuciamos, derrotados.

O final, já se sabe, dá-se apressadamente. Querendo poupar-nos a maior martírio e em nome da amizade que no passado nos unira, o velho conhecido abrevia umas palavras de circunstância e despede-se com um inevitável: “A ver se combinamos um café ou assim.”

Ou assim. Sabemos, naquele instante e com visceral certeza, que esse café nunca será marcado e que, naqueles brevíssimos minutos, hipotecámos grande parte do interesse que, em tempos, despertámos no dito indivíduo. Retomamos o percurso que fazíamos de ombros baixos. Há uma qualquer sensação de vazio e absurdo. De repente, não sabemos o que andámos a fazer com a vida.

É suposto um tipo dizer o quê, exactamente? Que ganhou o Nobel? Que agora vive na estação orbital? Que não casou, mas tem uma vida sexual de fazer inveja ao Cristiano Ronaldo? A partir de que ponto se sentem as pessoas satisfeitas com a resposta? “O que é que eu tenho feito? Pá, nada de especial. Resolvi o conflito israelo-palestiniano e inventei a cura para a SIDA. O costume, sabes como é.”

Ou não será uma questão de grandeza, outrossim de minúcia? “O que é que tenho feito? Ora, vamos cá ver. Não nos vemos desde 87, portanto… No plano sentimental, andei com a Sabrina, depois com a Júlia e acabei encalhado na Maria Alice. Fui à Índia, a Sevilha e a Porto de Mós. Já não estou farto de Paul Auster. Ando a ler o Camilo, mas só os primeiros livros…” Etc e tal.

Deveríamos andar com cópias do currículo para distribuir aos velhos conhecidos quando descarregassem a questão? Ou fazer-nos acompanhar de um biógrafo oficial? Facultar um dvd à laia de “best of”, qual concorrente de reality-show acabado de expulsar da casa?

Ignoro. Da próxima vez, pelo seguro, disparo eu, assim que veja um tipo conhecido a vir pela rua e antes que ele tenha a menor hipótese de sequer ajeitar os lábios para proferir um som: “Temos de combinar um café ou assim!”

E atravesso a estrada. Bardamerda para as biografias instantâneas.

publicado por Alexandre Borges às 07:46
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Sexta-feira, 17 de Junho de 2011

A segunda parte

 

 

Na minha última artigalhada sinusítica sublinhei a necessidade de cada um, aqui no bairro, assumir o seu talento criativo, independente dos casulos político-estatais. Reafirmo-a neste dia em que tanto se fala nervosamente de nomes novos a comandar os destinos da Nação - como se a Nação não devesse por si promover os seus próprios mecanismos para se comandar. Sinto que falta uma segunda parte à croniqueta. Que, procurando completar a primeira, se refira um a gesto de, nessa liberdade de arriscar, olhar "os outros" (cidadãos, sim, mas também pessoas) e convocá-los, sobretudo quando estão em atitude ou desistente ou ruidosa, tão típica destas lusitanas esquinas.

 

Claro que é difícil mudar e melhorar - e bem notou isso Pacheco Pereira numa crónica recente do "Público" em que falava dos agentes políticos e mediáticos mas podia estar a falar da tragédia dos homens: "Com o tempo, vai-se percebendo que há um fundo mais permanente por detrás da espuma dos dias e que esse fundo tem muito lodo, mas também muita biologia, e muda muito pouco. Só quem nele toca com uma vara funda, alterando a ecologia inscrita nas profundezas, é que realmente muda. Costuma ser 'tocado' apenas por gente excepcional, que não abunda e costuma precisar de muito tempo para mudar, ou então de uma catástrofe curta e traumática".  

 

Percebo o pessimismo mas quero acreditar  - até porque tenho filhos e não vou já estacionar a viatura e a vontade -  que essa gente não é necessariamente tão excepcional. Quando à última frase, pergunto se não estaremos nós a viver justamente uma "catástrofe curta e traumática"? Ou por outra: não será este o tempo? As vias são as de cada um. Há quem chegue lá pela cidadania pura, pela consciência cívico-política que foi desenvolvendo com os anos ou que descobriu nestas horas de indignações mais ou menos vagas mas significativas (porque reveladoras de um legítimo sentimento de inquietude e insatisfação). Há quem prefira - num gesto contracorrente - uma via espiritual, mais compassiva. A atitude está ligada, mais uma vez, a duas visões e a vocabulários distintos: há quem seja pela solidariedade, há quem lá chegue pela compaixão. Miguel Guilherme tocou no assunto da via espiritual numa boa entrevista recente à revista do "Expresso" - e com uma coragem de quem tem consigo e com o mundo uma relação que, segundo se percebe, não foi oferecida - foi sendo aprofundada (aconselho-a por ultrapassar aqui e ali o joguete de superfície em que caem a maior parte das ditas 'entrevistas de vida'). 

 

Aqui o escriba de serviço hoje é, permitam-lhe, pelas duas. Sou pelos necessários gestos de civilidade. Mas não só não recuso como reinvidico a necessidade de, passe o Paulo Coelhismo da expressão, um trabalho de casa espiritual. É importante, acho,  revolver as entranhas com o máximo de elevação para não se deixar cair na resmunguice quase permanente para a qual se está tão competentemente programado. Calma, não me atirem já pedras e crucifixos escolares: não se defende aqui uma demanda religiosa para todos, como também disse e bem o actor  - isso da escolha de uma (única) religião é de outra esfera, mais dogmática, cultural e até muitas vezes clubística, se quisermos. Mas a vilipendiada espiritualidade é um gesto interior que julgo fundamental para não cairmos numa tendência do género humano para se encerrar em si, para fechar as persianas, para dizer que não está para ninguém. 

publicado por Nuno Costa Santos às 22:56
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