Terça-feira, 13 de Janeiro de 2009

morte cerebral

Não tenho um problema com os mortos. Tenho um problema com os vivos que estão sempre a citar os mortos. O Zé Carlos Ary. Sá Carneiro. José Maria Pedroto. Só para nomear a trilogia mais evocada. É um golpe baixo e um bocado moralista. A pessoa está numa discussão, encurrala o oponente e ele, sem saída possível, saca da manga a citação dum morto: ah! Mas o Zé Carlos Ary dizia que… Certa vez, o Pedroto… Sá Carneiro, nas suas notas, chamava a atenção para… E, é claro, o morto subitamente aparecido em auxílio do nosso adversário está sempre em acordo com ele e profundo antagonismo connosco.

 

Aí, a conversa acaba-se. Rebater um morto seria considerado profanação de túmulo.

 

Se uma pessoa discutir literatura e citar Eduardo Lourenço, não vale como fonte de autoridade. Porque o Lourenço às vezes isto, às vezes aquilo, está velho, está isto e aqueloutro, são coisas do Lourenço. Mas se citar o O’Neill, estimado público, não se fala mais no assunto. Jacinto Prado Coelho também dá. Qualquer dia, Eduardo Prado Coelho também (por enquanto não porque, ainda agora, estava vivo).

 

A mesma coisa para a política. Não se pode citar o Obama, quanto mais um português vivo. Haverá sempre questionamentos, levantar de dúvidas, objecções. Mas cite-se o dito Sá Carneiro. Humberto Delgado. Hayek. Rawls. É limpinho. Ninguém faz mais farinha.

 

No futebol, é do Pedroto para trás. Presidente, treinador, jogador que se queira trazer a lume, tem de ter batido a bota há pelo menos 20 anos. Quantos mais anos de morto tiver, melhor: mais razão terá.

 

Em Portugal, para se ganhar uma conversa, não serve de nada a inteligência. É preciso ser-se póstumo.

 

É uma crença muito própria da lusitanidade: depois de morto, não se vai para o céu nem para o inferno; não se é pó, cinza e nada. Reencarna-se numa vaca. Uma grande vaca sagrada, inchada de argumentos para defender tudo e o seu contrário.

publicado por Alexandre Borges às 00:01
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Sexta-feira, 9 de Janeiro de 2009

Incógnito

Das coisas mais aborrecidas que o passar dos anos traz é começarmos a falar dos nossos sítios favoritos e repararmos que a muitos deles já não vamos há muito tempo.
Existe sempre a velha desculpa de que não se deve voltar a sítios onde se foi feliz mas, em minha opinião, é, quase sempre, uma desculpa para a forte preguiça que o passar dos anos provoca.
No caso de uma “boite” ou discoteca – ou como se queira chamar a um local onde se vai ouvir música, dançar e beber um copo – existem várias desculpas mais ou menos plausíveis: o ambiente mudou, a música piorou... Claro está, que há a possibilidade de nós sermos daquele tipo de pessoas que deixou de ouvir ou de gostar de qualquer tipo de música que não seja a que ouvia na adolescência ou de achar que ir a este tipo de sítios é para “gente mais nova”. Como não me incluo nestes dois grupos de gente – apesar de achar que jamais haverá uma banda como os Smiths – perguntei-me porque é que há tanto tempo não vou àquela que para mim foi – e segundo, visitas recentes de entendidos na matéria – e continua a ser uma das melhores, senão, a melhor discoteca de Lisboa: o Incógnito.
Tem aquilo que eu considero o espaço ideal para um lugar deste tipo: suficientemente pequeno para que não haja “grupinhos” e logo se meta conversa com gente que não se conhece e com espaço suficiente para poder “aprofundar” a conversa. Na época que lá ia amiúde ouvia-se a melhor musica de Lisboa e esse bom hábito continua a ser apanágio da casa.
Bom... houve uns episódios que me deprimiram um bocadinho e que me puseram a pensar se aquela história da idade para ir a sítios destes faria ou não sentido.
A primeira foi a de me começarem a “cravar” de uma maneira um bocadinho estranha: “O senhor pode-me dar um cigarro?” A segunda, ainda me deprimiu mais. Ao entrar na casa de banho, reparei nuns rapazes a fazer a “sopinha” para um charro. Com a minha entrada deitarem tudo fora... No meio deles estava um meu primo que foi presenteado com um calduço que o deixou muito confuso por ser acompanhado por uma severa reprimenda acerca do desperdício que ali tinha acontecido.
Também não deve ter ajudado as duas vezes em que não me portei, digamos... da melhor maneira. Apesar de me achar um cidadão respeitador, os rapazes do Incógnito eram – e ainda devem ser – tão simpáticos que em vez de me darem umas merecidas bofetadas puseram-me, gentilmente, na rua quando o Step On dos Happy Mondays, telepaticamente, me mandou iniciar um, confesso, pouco sexy strip tease ou quando fiz uma espécie de stage diving pelas escadas abaixo inspirado pelo Morrissey...

O Incógnito faz parte da minha vida: foi lá que tive a primeira zanga com aquela que é hoje a minha mulher, marcou – acho eu – os meus filhos, já que estou convencido que o gosto musical deles ficará para sempre ligado a essa casa, de tantas horas lá passadas na barriga da mãe. Um deles, aliás, teve quase a nascer em plena pista de dança entre o Park Life dos Blur e o Feel the Pain dos Dinossaur Jr.
Bem, vou-me deixar de mariquices e voltar a frequentar, mais assiduamente, o velho e bom Incógnito. Para que saibam, eu sou aquele velho careca que está a tentar passar por adolescente. Um aviso: se me chamarem senhor não levam cigarros.

 

Publicada na Revista Atlântico

publicado por Pedro Marques Lopes às 14:03
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Quinta-feira, 8 de Janeiro de 2009

Curare

publicado por Pedro Marques Lopes às 18:23
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Terça-feira, 6 de Janeiro de 2009

retrato do jovem enquanto artista

Compreendo os pais que não deixam os filhos ir para artistas. Eu, se me deixasse ter filhos, não deixava.

 

É muito bonito defender o contrário. Dizer que o jovem deve decidir o que quer ser, estimular a sua criatividade, a sua liberdade, coiso e tal. Mas é preciso explicar duas coisas: uma, que a arte não é uma licenciatura; duas, que música, por exemplo, significa Beethoven e significa Mafalda Veiga.

 

Esse é o perigo. Não temo que o adolescente cresça, pinte paredes, ninguém o compreenda e acabe a dormir nas arcadas do ministério das Finanças. Ao menos, é central e, agora, até já tem metro. O que todos temos a temer é que nasça dali outro André Sardet, outros Il Divo, outra Nucha.

 

Evidentemente, há bons e maus profissionais em todo o lado. Se o puto quiser ser advogado, médico, professor, engenheiro, técnico oficial de contas, e for mau, pode e deve sempre ser despedido. E aí há-de perceber que se enganou na escolha. Que falhou o ramo. Não é dotado, ao contrário do que pensava.

 

Mas o artista não. O artista não é despedido, não é despromovido, não tem rankings nem sistemas de avaliação. Não se lhe fazem auditorias. Ele pode ter à porta o Coro de Santo Amaro de Oeiras a cantar-lhe que é uma merda que ele não acredita. Fica ainda mais forte. Acha-se um incompreendido pelo seu tempo, como Pessoa, como Van Gogh. E, então, insiste. E insiste e insiste e insiste e, quando damos por ela, o miúdo rosado que tínhamos na foto da sala a fazer a primeira comunhão, é outro António Manuel Ribeiro, outro João Soares da música, outro Manuel Monteiro do clarinete.

 

O jovem não decide ser artista. Ele ou é ou não é. E isso, escolha ele o que escolher, decida a família o que quiser, há-de sempre rebentar nele como uma borbulha, como um problema crónico de pele. Mesmo depois de 20 anos na administração pública, 15 a viver em Santo António dos Cavaleiros e muitos workshops de cerâmica e cozinha. Permanece. Está lá como o problema congénito, o trambolhão da infância, o primeiro beijo antes dos 32 anos.

 

Não vale a pena arranjar grandes discussões lá em casa. É perguntar se ele quer mesmo acabar nos escaparates, entalado entre a nova versão dos “Jardins Proibidos”, agora com o Paulo Gonzo a cantar ao vivo na banheira, e as melhores conversas de Alexandra Solnado, agora com Jorge Jesus.

publicado por Alexandre Borges às 16:01
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Sexta-feira, 2 de Janeiro de 2009

2009 e os fígados batem palmas

Ao segundo dia do ano uma singela volta pelo meu bairro mostra que nada mudou, que os pontapeadores de fígados do costume não perderam o vício, nem o tino, continuam a cirandar pela rua principal num delicado slalom-entre-tascas que nem o sebastien löeb arriscava. Dos muitos que aqui medram há três de quem gosto muito, e a quem avistei hoje: o velhote com uma verruga em forma de bola de ténis que ameaça soltar-se a todo o momento, indivíduo a quem o copo de branco carrascudo garante mais equilíbrio do que o par de canadianas com pegas coloridas; o "chalana", indivíduo de quem ninguém parece saber o nome, sempre com a calça do obrame manchada de salpicos barbot e com os olhos encovados, muito miúdos, muito brilhantes lá no fundo das ventas inchadas, assim como aquele moço d'o covil do kafka mas com mais confiança na vida. Ou pelo menos no alambique. E o outro, o dos óculos, bigode e mochila, voz de rádio e fígado da vialonga, onde se produz uma óptima água com gás engarrafada depois de embebida em cevada. Este é o meu favorito, afinal trata-se  do homem que aqui há atrasado, em plena cervejaria "o cartaxinho" afirmava ter duas colunas - uma, a cervical, e a outra, que padece de duas hérnias (sic). Cá no bairro, novo só se for o vinho, isso do Ano foi chão que deu uvas, que alíás, nunca serão as suficientes. 

publicado por Pedro Vieira às 20:17
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Quinta-feira, 1 de Janeiro de 2009

Não entra

Ui, ui, ui, que ele está aí. Sinto o seu peso, a sua gordura, a sua sombra, o seu bafo fedorento e maligno. Sei que ele está atrás da porta. Sei, sei. Sinto-o a espreitar pela fechadura com o seu olho mau e pessimista. Escrevo esta sinusítica crónica na cama – com o edredão por cima das minhas despeladas pernas (que tanto me envergonharam nos ginásios e nos areais da minha adolescência). Não vais dar cabo de mim, ó cabrão. Não te vou deixar entrar no meu quarto, 2009. Pelo menos por enquanto ficas aí, sozinho, a sofrer.

 

Ontem fiz birra, bati com o pé no chão, abanei a cabeça, pus as mãos nos ouvidos, atirei os pistachios para o sobrado. Em casa de uns amigos, quando se fazia a contagem decrescente para a entrada no novo ano, tomei uma decisão: não vou entrar em 2009. Não vou, não. Tenho esse direito, essa liberdade. Se toda a gente me diz que vai ser um ano catastrófico, por que é que me vou meter nisso? Se os gajos da economia gritam em cada esquina que vai ser um ano filha da puta para que é vou aceitar que faça parte da minha existência? Deixem-me cá com o meu 2008, o meu emprego na função pública. Não quero cá confusões e aventuras “neoliberais” com esse (como é que se chama?) 2009.

 

Quando saí de casa dos meus amigos, já dentro da viatura, era o único que havia ficado em 2008. O resto do gang estava cheínho de confettis na cabeça e no discurso. Eu mostrava-me sisudão, como um burocrata a comer um folhado de salsicha na hora do lanche. Só que, sem saber, tinha o novo ano na bagageira. Sim, o sacrista estava a perseguir-me como um raptor obsessivo e determinado. Entrei em casa, corri para o quarto e tranquei a porta. Aqui, debaixo do edredão, com o candeeirinho ligado (apesar de já serem duas da tarde), ainda estou rodeado de 2008. Ao meu lado estão livros de 2008 –  do O’Neill, do Roth, do Gray -, aparelhos de 2008 (o mesmo rádio Scott com péssima sintonia), a mesma fileira monocromática de sapatos do ano passado (azul fluorescente, sim). Ainda não há aqui nada deste ano. Nadinha, nem uma pulga com lantejoulas.

 

Sim, só abro a porta quando o animal estiver cansado, sem espumas na boca e arrogâncias de estagiário convencido. Faminto de ninguém lhe dar de comer. Deprimido de ninguém lhe dar uma festinha no cocuruto (já dei ordens à empregada para se deixar de doçuras). Aí saio do quarto e coloco-lhe uma coleira comprada no Lidl à volta do pescoço. Vou passeá-lo para as ruas, para os parques e para as repartições. E então, se me der na despenteada cachimónia, posso soltá-lo na minha vida.

publicado por Nuno Costa Santos às 15:02
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