Ninguém pode dizer que os portugueses não são cosmopolitas. Em qualquer lugar do mundo sentem-se em casa, em qualquer do mundo aceitam a cultura local e mostram a portuguesa com um à vontade e confiança que só verdadeiros cidadãos do mundo possuem. Nas Olimpíadas cumpriram com as normas chinesas: chegaram a horas às provas (algo impossível de acontecer por cá) e em troca, de forma generosa, deram a provar a essência da nação: arranjaram desculpas para os seus desaires, culparam árbitros, o tapete, aquele roupão do judo, a temperatura da água, os ténis, o cheiro dos pés do adversário e o vento. A direita deve estar orgulhosa com esta extremosa demonstração de patriotismo.
Mas houve um homem que desiludiu. Que se mostrou avesso às mais nobres tradições nacionais, que não aceitou o peculiar protocolo português, que deixou ficar mal os colegas numa lamentável demonstração de falta de solidariedade. Pôs-se em bicos de pés, algo que fica mal a um português, por tradição e ADN baixo e humilde. O nome do espécime é Marcos Fortes. O rapaz – convém sermos verdadeiros – ainda tentou por instantes estar ao nível dos seus colegas e, fiel ao espírito da nação, conseguiu, não sem nobreza, ficar num dos últimos lugares da prova de lançamento do peso.
Mas um latagão não é (não pode ser) um bom português. Um bom português come sardinha, é pequeno, bebe vinho, levanta cedo, é humilde. E rezingão. Quando lhe perguntaram as razões do seu desaire (que no fundo não é mais que uma vitória moral e há que realçar o esforço do atleta, até conseguiu levantar o peso e lançá-lo, não se pode pedir mais) Marcos Forte traiu os colegas, a pátria, o devir nacional. Não culpou os árbitros. Não disse que tinha rinite alérgica e que o ar de Pequim lhe fazia mal. Não disse que tinha uma dor de cotovelo que o atrapalhava. Não: o infiel afirmou, e passo a citar, “Já cheguei à conclusão que de manhã só estou bem na caminha”.
Marcos Fortes podia ter-se contentado com a vitória moral que lhe era garantida pelo simples facto de ter aparecido na prova com a fatiota oficial dos atletas portugueses. Não é tarefa menor e sabem os deuses da costura que o forte da pátria nunca foi a moda. Custa envergar aquele maiô. Mas Marcos, egoísta, querendo exibir-se, resolveu não justificar a sua derrota, não inventar desculpas. E com o desplante de um americano usou o humor. Teve graça. Deu a entender que prefere dormir a trabalhar. Quase parecia um estrangeiro.
Perante o desplante de usar humor numa situação séria espero que, quando Marcos Fortes regressar ao nosso país, lhe retirem a nacionalidade. Que o tratem como um ilegal e o ponham a trabalhar nas obras sem direito a assistência social. É preciso restituir os valores nacionais. Nós vivemos com pouco mas reclamamos. Somos mais burros, mais incultos, mais imprestimáveis que toda a Europa mas temos desculpas que fazem corar de inveja o mais inventivo dos argumentistas americanos. O acto de Marcos Fontes é repugnante. Mandem-no para a América. Ele que vá escrever os monólogos de um qualquer Conan O'Brien. Mas que não venha para cá com a sua honestidade e o seu humor. Nós não queremos cá dessas coisas.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.