Segunda-feira, 24 de Março de 2008

Tem volta de quilhadela

“Tem volta de quilhadela” é das minhas expressões favoritas. Infelizmente, sem muito sucesso entre os meus concidadãos e, nitidamente, entre os meus amigos. Falo destes, porque à força de tanto a utilizar já devia ter colonizado, pelo menos, um ou dois. Mas, não. Sempre que a digo fazem aquele risinho a la Sócrates. Aquela coisa irritante meio indulgente, meio trocista que ele faz quando se dá ao trabalho de explicar a nós, tristes e broncos mortais, o quanto ele é bom e o enorme sacrifício que ele anda a fazer para nos ajudar.

Se calhar é porque ainda não perceberam a magnificência da expressão. Por exemplo, quando o Exmo Senhor Presidente Pinto da Costa (o Senhor esteja com ele) diz que não gosta de Luis Filipe Vieira, a declaração tem volta de quilhadela. Ele, quer dizer, o Sr Presidente (que o Senhor o proteja) adora o Vieira – pelo menos enquanto ele for presidente do Benfica. Estão a ver?

Que melhor expressão existe para este tipo de coisa? “Estás armado em Marcelo Rebelo de Sousa”? Presente envenenado (cruzes credo)? Pareces o João César das Neves (já muita gente sabe que ele é um infiltrado da IURD na Igreja Católica e cada vez é mais nítido: cada vez que escreve há, pelo menos, 100 católicos que rasgam o cartão ou lá o que eles têm que os identifica)? “ Fulaninha de tal está sempre a dizer que o marido está sempre a querer fazer o amor”? “O Paulo Bento é um grande treinador”? Comentário capicioso (é verdade, ele há quem diga isto)?

Volta de quilhadela, camaradas. Volta de quilhadela. É que ainda para mais é utilizado o magnífico verbo quilhar. Há alguma semelhança entre a violência fina de um “estás quilhado” e um quase doce, lixado? Até a maneira como se diz quilhar com a subida trocista do lábio superior em vez do descair amaricado do queixo do lixar.

Estais quilhados, às terças escrevo eu.

publicado por Pedro Marques Lopes às 23:11
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Ajax

Queria aqui manifestar o meu apoio ao Nuno Costa Santos e ao seu pessimismo.

 

Eu próprio sou um pessimista, acima de tudo porque tenho o trágico hábito de olhar-me ao espelho de manhã.

Não tenho fé em mim, não tenho fé no mundo, não tenho fé no Fê do CP e ainda por cima acabou-se-me o Guaraná.

 

Há, no entanto, duas coisas que me separam do pessimismo do Nuno.

 

A primeira é que não desço a avenida ao som de Richard Clayderman.

Nem sequer desço a avenida, limito-te a ficar em casa. A lavar as janelas. Com ajuda de um pouco de Ajax e jornal.

 

A segunda é que eu, ao contrário do Nuno e de Giacomo Leopardi (um ex-avançado centro do Sportivo de Recanati), tenho ténue esperança no futuro da humanidade.

 

E essa ténue esperança encerra-se numa única hipótese: a submissão democrática de "todos" a toda e qualquer opinião de Pacheco Pereira.

publicado por João Bonifácio às 16:46
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Rasganço

JPP diz aqui que há em Portugal «um delito de opinião para o qual uma pequena turba (...) pede punição, censura, opróbrio, confissão pública do crime, rasgar de vestes. Esse delito de opinião é ter estado a favor da invasão do Iraque».

Aqui está um um tema novo em Pacheco Pereira, um território ainda por explorar pelo comentador político, prova da sua constante procura de renovação temática.


Acrescenta Pacheco que essa pequena turba «só parece grande porque é alimentada pelo silêncio de muitos». Isto, meus amigos, que mais não seja, explica aquele velho mito que diz que há seis milhões de adeptos do Benfica.

 

Nessa turba, continua Pacheco, «todos falam com a linguagem, os slogans, os tiques, os excessos verbais, a arrogância moral e a pesporrência do Bloco de Esquerda».

Respeito esta passagem, que mais não seja por solidariedade com o tempo que JPP perdeu a contar as pessoas da turba até chegar à conclusão infalível e matemática de que "todos" falam a mesma linguagem.


Eu, que nunca votei no Bloco de Esquerda, fico tranquilo por saber que há homens assim, como Pacheco, que não usam os “slogans”, “tiques”, “excessos verbais”, “arrogância moral” e “pesporrência” daquele tipo de gente que diz à boca cheia, na Quadratura do Círculo, que não recebe lições de moral ou civismo de ninguém.


E é sempre tranquilizador haver homens que não apelidam de “anti-americanismo primário” quem ressalva que o argumento oficial de George W. Bush para a invasão do Iraque era a «existência de armas de destruição maciça» e «a possibilidade de Saddam ser um apoiante da Al-Qaeda».

 

Curiosamente, numa desconcertante (e grouxo-marxista) passagem Pacheco acrescenta que «A decisão de invadir tem pouco a ver com a existência de armas de destruição maciça, ou com a possibilidade de Saddam ser um apoiante da Al-Qaeda, que não era».


Ou seja: no fundo JPP subtilmente acusa Bush de mentir.

Ou seja: no fundo JPP subtilmente acusa-se a si mesmo de ser um anti-americano primário.

Isto, meus amigos, é um acto de contrição raro em Portugal, diria mesmo que uma auto-censura, uma auto-punição, uma confissão pública do crime.


Eu, que não concordei com a Invasão do Iraque (posição que, posso agora confessar, ainda fez vacilar George W.), não quero condenação moral de ninguém. Só quero mesmo que JPP não rasgue as suas vestes em público.

publicado por João Bonifácio às 16:15
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Breve e ligeira tentativa de posicionamento político (inclui mais uma confissão)

 

Há quem seja bonito e há quem seja feio politicamente. Explico-me. Os bonitos são aqueles que acreditam na possibilidade de um mundo francamente melhor. A beleza aqui é, pois, a beleza do pensamento e do discurso - que torna as pessoas que os transportam atraentes, risonhas e sociáveis (pelo menos nalguns momentos das suas vidas). Quando essas pessoas falam atraem boas vibrações e uma conversa agradável. Barack Obama, por exemplo, é bonito nos dois sentidos da palavra. Os feios são os pessimistas - o pessimismo é quase sempre horrendo, como sabemos. Acentua as olheiras e estraga festas. É desagradável ao ouvido e à vista. Chateia. Bloqueia. Não faz as pessoas erguerem os copos para brindes épicos. Empurra os rostos para a parilisia e o silêncio. Faz as bocas tristes e grava rugas na testa. E há aqueles que na polítca não são nem bonitos nem feios. Que são "assim-assim". Que, quando falam no snooker e no salão, não causam nem atracção nem repulsa. Formam uma espécie de centrão estético-político.

 

Aqui vai mais uma confissão: eu - na vida como na política - sou mais feio do que bonito. Mas posso dizer, com alguma alegria, que já fui ainda mais feio. Ideologicamente, noto (a referência à ideologia é aqui um pouco abusiva, dado tratar-se de uma mera visão do mundo e não tanto de um corpo de ideias estruturado). Hoje em dia, possivelmente por ter dois filhos que me obrigam a isso (o pessimismo é, muitas vezes, uma profissão a tempo inteiro para solitários), estou mais crédulo, menos desistente, mais preparado para descer a avenida. Há uns aninhos, não muitos, tive um pico de pessimismo - que me tornou feíssimo, sobretudo para mim próprio. Acordava e tinha medo de começar a pensar no mundo e nas "questões da actualidade" - nunca vinha coisa bonita por aí.

 

Digamos que já consigo fazer correr o pensamento em câmara lenta nalguns dos verdes prados do optimismo (ao som de Richard Clayderman, claro). Mas, apesar de admitir algumas palpitações de esperança, ainda preciso de tomar os comprimidos de que o Alexandre tão bem fala: continuo sem grande "fé" no homem e nas suas possibilidades. No rumo da História, no futuro da humanidade e das nossas vidinhas, nessas coisas todas. Deve ser dos genes - irremediavelmente melancólicos. Irremediavelmente negros. Irremediavelmente tristes. Não tenham pena, pá. Ainda vou fazer disto um negócio.

publicado por Nuno Costa Santos às 16:09
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comprimidos azuis para ainda acreditar nas revoluções

Era uma lei da vida até 1998 que os homens deixassem o sexo na velhice. Ou melhor, não eram bem nem o sexo nem a velhice tout cours, mas percebe o que estou a dizer. A regra caiu em desuso a partir da invenção do viagra e várias coisas nunca mais foram as mesmas: a literatura norte-americana contemporânea, os lares de Bragança, a publicidade nas caixas de correio electrónico.
O tesão, stricto senso, foi resolvido. Multiplicou a sua esperança de vida e tornou-se uma espécie de Roger Milla, um Peter Shilton das apetências físicas, com uma longa e admirável carreira por muitos palcos do mundo.
Ainda que tenhamos perdido alguma da ternura com que antes olhávamos os avós babados, cerca de noventa por cento dos nossos problemas com a idade pareciam resolvidos. Restavam a calvície e a barriga, mas isso tratava-se emigrando para Lhasa, onde trocaríamos a terceira idade decrépita passada a assistir à “Praça da Alegria” na sala de estar do asilo, por multidões veneradoras ajoelhadas em nossa volta.
Começámos a ser felizes? Estariam resolvidos os dramas heideggerianos do homem que se dirige para a morte? A Anabela Maluca, matulona repetente que se sentava na última fila da aula de Filosofia no décimo ano, ainda quereria ir para a cama connosco?
Quase. Quase éramos felizes, quase resolvêramos a inevitabilidade da morte, a Anabela, hoje, quase que se conseguia mexer sem a ajuda de terceiros.
Que faltava? Que deixara o viagra passar em claro no seu projecto de contrariar a Criação?
O espírito, a cabeça, o ânimo. O tesão da alma, soi-disant. (também pensei em “erecção do coração”, mas tive um ameaço de trombose só de pronunciar as palavras)
Confundimos os tesões. A grande protuberância que decai com o tempo não era física, mas o entusiasmo, o empolgamento, a – trocando por miúdos – pica.
A vida (que, como Chaplin notou, começa num grande orgasmo) é uma bateria de entusiasmo a consumir-se. No princípio, tudo nos anima. Que apareça um pai, uma mãe, uma visita, um cão, um brinquedo, que consigamos andar, falar, tossir, espirrar, ter flatulências. Depois, isso já não é suficiente. Vamos para a escola e vibramos com as raparigas, os jogos de futebol, as cenas de pancadaria. Depois, isso também já não é o bastante por si só: têm de ser grandes raparigas, grandes jogos de futebol e  grandes cenas de pancadaria, senão, não dá – lá está – pica.
Depois e pelos anos fora, sentimos cada vez menos. O primeiro trabalho deu-nos tesão; agora, tira-o. A primeira pessoa que se sentou connosco à mesa e disse ter um projecto que era mesmo a nossa cara deu-nos muito tesão; agora, dificilmente chegamos a marcar, sequer, o almoço. Os primeiros lugares que conhecemos, as pessoas a quem sempre quisemos apertar a mão, os discos, os livros, os móveis, tudo o que queríamos mesmo possuir. De bom grado, faríamos amor com tudo isto ainda hoje, mas já não conseguimos.
Há toneladas de literatura, pautas e celulóide sobre o amor. Mas o amor compraz-se demasiado consigo mesmo; fora dele, nada faz acontecer. O mundo precisa é de tesão. E sobre isso ninguém escreve um poema épico.
publicado por Alexandre Borges às 14:30
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Apetecer ainda

"Apeteces-me" é óptimo. Thanks, Shyz.
publicado por Nuno Costa Santos às 11:01
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Confissão

 Éramos pequenos, mandavam-nos ajoelhar, unir as mãos junto aos lábios e dizer:


“Confesso a Deus Todo-Poderoso e a vós, irmãos, que pequei muitas vezes por pensamentos e palavras, actos e omissões, por minha culpa, minha tão grande culpa. E peço à Virgem Maria, aos Anjos e Santos, e a vós irmãos, que rogueis por mim a Deus nosso Senhor”.


Passaram quase trinta anos e hoje percebo que o “Confesso que”, que se usa nas crónicas, não é da mesma ordem desse pedido de redenção fantasmagórica que nos assolou a infância.

É um desvio, um truque literário em que a confissão serve para fazer esquecer a frase anterior enquanto se prepara o remate final (por norma irónico) da frase seguinte.

O “confesso que” é usado para criar intimidade com o leitor, levá-lo a esquecer que uma crónica é feita de palavras e que as palavras mentem.

Não sei se já repararam, mas quase todos os membros deste blog (eu incluído) já "confessaram".

Releiam as crónicas e lá encontrarão um “Confesso que” espertalhão, preparado para vos fazer tropeçar nas palavras do cronista.


Apetece-me restituir a ordem ideal das coisas: confessar-me, dizer a verdade. O que vão ler a seguir é isso: a pura verdade.


Confesso ter, em 1988, puxado o fio que ligava o aspirador à tomada eléctrica do átrio do liceu, quando o dito fio se encontrava por cima do pé de uma “auxiliar de educação” relativamente muito detestada pelos alunos. A senhora tropeçou e caiu. O vândalo responsável escapou sem punição.

 

Confesso ter, em 1989, participado num furto: roubámos o apagador a uma professora, passámo-lo de aluno em aluno. Quando o apagador chegou às minhas mãos, pensei – à conta do pavor de ser apanhado – atirá-lo pela janela. Olhei para baixo e vi a dita “auxiliar de educação” que, no mesmo dia em que a fizera tropeçar, se vingara aproximando com moderada muita força o cabo da vassoura do meu cocuruto. Uma força superior deixou escapar da minha mão o apagador – que aterrou no correspondente cocuruto da pobre senhora que tanto amávamos e que tão bem nos tratava.

 

Em 1990 resolvi abrir uma porta de sala de aula a golpe de karaté - o que fiz com inigualável êxito, levando a dita porta a embater contra o nariz de uma professora avantajada de fossas.

Quando me levaram ao director do Conselho Directivo, este – entretido a ver as notícias da Guerra no Golfo – disse-me: “Desaparece-me da frente que estou a verter uma lágrima de comoção pela libertação do Kuwait”.

 O auxiliar educativo que se encarregara de me entregar ao Conselho Directivo anuiu, dizendo: “Hoje somos todos americanos”.

Por sorte nenhuma fotografia do meu golpe de karaté surgiu na primeira página do PÚBLICO.

 

Também confesso que vi professores atirarem giz a alunos, darem-lhes estaladas, puxarem-lhes as orelhas, darem-lhes reguadas (lembram-se?), atirarem os livros de ponto às ocas cabecinhas dos instruendos – que, por amor à geometria, se entretinham a calcular o ângulo correcto de torção do fecho do soutien das suas concupiscentes colegas, por forma a assim abri-lo em plena sala de aula.


Confesso igualmente ter bebido cerveja nas aulas, bem como comido barras de Mars, tangerinas e clementinas . E confesso ter enchido de terra, num intervalo, a carteira de uma professora e ter decorado o capot do automóvel de outra com pedras da calçada, ramos de amendoeiras e serpentinas (um pouco sujas, admito), provocando uma falta colectiva perante a não assumpção do erro por parte do criminoso.

 

E confesso ter visto alunos tirarem a cadeira debaixo dos colegas quando estes se iam a sentar, assim fazendo o incauto cair de rabo no chão. E etc.


E a tudo isto – por minha culpa, minha tão grande culpa – assisti calado, nunca me pronunciei nem opinião tive sobre o que me foi dado ver.


Confesso estas omissões porque as estatísticas dizem que agora é que há agressões nas escolas e antigamente é que era bom. Confesso: temo que o Demo tenha melhor memória que a estática leitura das estatísticas e me puna a dobrar se não confessar.

 

E peço aos estatísticos que me incluam nos agressores do passado e me perdoem assim como eu perdoo a tanto comentador a sua demagogia.

publicado por João Bonifácio às 02:48
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Domingo, 23 de Março de 2008

A mãe do Jaka está a flipar

É minha sina gostar de coisas para as quais não tenho jeito nenhum. Tenho um amor desmesurado por música e a única coisa que faço decentemente é abanar a cabeça, o que aliás, em tempos, me conduziu ao heavy-metal: género musical onde a tentativa de separar a cabeça do corpo constitui parte fundamental.

Confesso, andei entusiasmado. Até me juntei a uma banda: Jacks the Max Sistema Nervoso que pretendia fundir os mais variados géneros do heavy: trash, death, Miraflores (era além do sitio onde vivia um estilo que infelizmente foi pouco conhecido).

Aprendi o acorde de Mi, e era ver-me a abanar a cabeça como se eu fosse o Jardel, e o Drulovic fizesse centros de 2 em 2 segundos. Não durou muito. Foi nessa altura que o meu cabelo começou a abandonar esta linda carinha e, já se sabe, abanar a cabeça sem ter uma bela trunfa a chicotear os costados não tem o mesmo efeito. Para piorar a situação, os restantes membros da banda apareceram com um indivíduo que além do acorde de Mi sabia também o de lá, tinha uma melena vigorosa e tinha como alcunha o Ogre. Imbatível, portanto.

Como era tudo rapaziada amiga, ainda me propuseram ser uma espécie de segundo vocalista - primeiro não dava, devido à minha voz pouco gutural para não dizer de pré-adolescente. Consistia, basicamente, em dar dentadas a ratos (o Chupeta, baterista, era criador de hamsters) e a permitir que aranhas percorressem o meu corpanzil. Um dos elementos da banda ainda sugeriu um número com cobras mas foi imediatamente posto de lado por uma qualquer fobia do baixista. Achei melhor não. Uma religião, inventada no momento, negava-me a possibilidade de comer ratos brancos ou de deixar uns aranhiços percorrerem-me as partes baixas.

Ainda guardo na memória a letra da melhor e única música da banda: “a mãe do Jaka está a flipar e o pai vai-se passar”(o jaka morava no 3º e a malta ensaiava no 2ª).

publicado por Pedro Marques Lopes às 14:07
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Sport Panda

Portugal é um país muito infantil. Digo-o no melhor dos sentidos: é um país acriançado. Só um país saudavelmente acriançado como o nosso pode levar tão a sério o futebol. O futebol, sabemo-lo, é a creche dos adultos. É um território onde o mais normativo dos adultos pode comportar-se como criança. Pode falar alto, chorar, rir, pular, dizer asneiras, ser faccioso e mandar calar os outros. Os adeptos têm com os clubes a mesma relação que as crianças têm com os brinquedos: o que é meu, é meu. E ai de quem resolver tocar – mesmo com o mais fino dos dedinhos - no que é meu.


A Sport-TV é o Canal Panda dos adultos – dos adultos machos, maioritariamente. Basta ir a uma tasca para perceber isso. Quando está a passar a Sport-TV as crianças grandes ficam vidradas no ecrã, sobretudo quando é transmitido um jogo importante (que, no fundo, corresponde no imaginário futebolístico a um episódio do Ruca). Pode-se tentar falar com elas que não ligam. Se alguém muda de canal, há birra na certa. Como se saltasse um “rebenta o jogo”, um “não brinco mais”, típicas fitas da criançada.


Haver comentadores de futebol não deixa de ter a sua graça. É como se houvesse comentadores de desenhos animados e de programas infantis. Como se existissem pessoas que se dedicam a comentar com pormenor as movimentações desajeitadas e trapalhonas dos Teletubbies e do Noddy. O Rui Santos, no fundo, é uma espécie de Vasco Granja do futebol. O Luís Freitas Lobo também. São figuras que nos introduzem a este universo lúdico. Fazem-no com um ar mais sério, menos terno do que o de Granja, mas representam, no fundo, um papel parecido ao que este representou para uma geração de telespectadores. A sua missão é essa: a de aparecer entre a bonecada.


Escrevo estas palavras com alguma melancolia. Confesso que já não me emociono a ver futebol – e que até perdi o interesse pelos jogos. Sim, tenho sincera pena de já não me sentir parte desse mundo de deslumbramento gaiato. Envelheci demasiado cedo, é o que é. Mas alimento a esperança de ainda poder perder uns anos mentais. Porque é disso que se trata. Se algum dia voltar a chorar com um jogo de futebol será um bom sinal para a minha ficha clínica: sinal de que ainda sou um miúdo. Um puto. Como a maior parte dos meus amigos, aliás.

 

publicado por Nuno Costa Santos às 01:52
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Sábado, 22 de Março de 2008

Olha, apeteceu-me

Pode ser impressão minha, mas sinto que “apetecer” é, por estes dias, um verbo desvalorizado. Há outros que são mais considerados socialmente, como “concretizar”, “realizar” e – sobretudo - “investir”. “Apetecer” é um verbo demasiado leviano nestes tempos em que tudo tem de ser devidamente justificado, em que cada decisão deve ser fundamentada por uma data de estudos e – cuidado, vêm aí os analistas - previsões. Apetece-me uma coisa qualquer. Mas vem logo um especialista com as suas opiniões sustentadas. Ou um estudo dizer que essa coisa não é boa. Que há outra melhor. Que, veja lá bem, pense duas, três, quatro vezes. E, pior do que tudo, que, por me apetecer isso, eu entro na categoria dos Tipos a Quem Apetece Esse Tipo de Coisa. Chegou a altura de ir para as janelas gritar que há estudos a mais. Ou por outra: os estudos são mais que as mães e, tal como as mães, às vezes podem ser muito chatos.


É tão bom apetecer-nos algo e termos um Ambrósio para nos satisfazer o apetecimento (sim, a palavra não existe mas apeteceu-me usá-la como se existisse). Hoje, a frase do anúncio “Ambrósio, apetece-me algo” seria transformada em “Ambrósio, decidi fazer um investimento em algo”. E o Ambrósio não seria um mero motorista com ar patusco mas sim um assessor ultra competente. Um técnico qualificado cheio de pastas no tablier  a abarrotar de papelada com cálculos e gráficos. “Tomei a liberdade de pensar nisso”. E, zás, lá saia uma série de estudos sobre a viabilidade do investimento. E um especialista espertalhuço debaixo do banco da frente.


“Apetecer” é um verbo que costuma ser associado aos desvarios juvenis. Aos “jovens” (ah, terrífica categoria) é que “apetece”. Aos adultos, não. Os adultos tomam decisões. Responsáveis. Nada mais errado. “Apetecer” é dos verbos mais maduros e densos que existem. E, na verdade, “apetecer” ganha ainda mais densidade se dito por uma pessoa com mais de 80 anos. Há poucas coisas que comovam mais do que ouvir um velhote a informar o mundo que lhe “apetece” isto ou aquilo. A liberdade passa muito por aqui.


Revalorize-se o verbo “apetecer”, pois. Até porque merece o mimo. Pode estar associado, imagine-se o escândalo, ao amor, ao contrário do que querem fazer vingar as teses que associam os afectos a uma espécie de esclavagismo do coração. É perfeitamente legítimo gostar de alguém porque apetece gostar de alguém. Sim, há quem o utilize para justificar a violência, o bombardeio e outras variações cruéis, mas também está associado à mais genuína e livre criatividade. Quero acreditar que Gaudi desenhou a Sagrada Família”porque lhe apeteceu. Que Fernando Pessoa escreveu a “Tabacaria” porque lhe apeteceu. Que Deus, se existir (se calhar não lhe apetece existir, está no seu direito), criou o mundo e o homem porque lhe apeteceu. Porque lhe deu na telha. E nada nem ninguém – nenhum estudo e nenhum especialista  - têm alguma coisa a ver com isso.

 

publicado por Nuno Costa Santos às 00:37
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