"Amamos Duvall" (FlorCaveira) é o disco que mais tem passado no leitor de CD's da carripana. Quando estou só ou com a família. Porque é uma jangada com animais sonoros para todas as idades, com melódicos - e ruidosos - rebuçados para as bocas de todas as gerações. Se calhar exagero um pouco - e é importante exagerar. Há cançonetas que se dão mais ao ouvido do adulto, como a inicial, "Atanásio contra o mundo", em que Tiago Cavaco repete versos que são o programa desta jornada: "Manda o teu Derrida para o inferno"ou "para quem se cansou de brincadeiras de miúdos/precisa de um sismo bem profundo/que realmente abale tudo". O resto é a comprovação prática desta tese corajosa (porque assumida), sem espaço para maiúfas de menino poseur e desconfiada das armadilhas do desconstrutivismo. Mesmo - e talvez sobretudo - na melancolia. "Na depressão nós amamos Duvall" é o refrão do segundo tema, uma canção de auto-ajuda em modo dançante.
Outras preferências: "Sirenata", música, essa sim, para miúdos e graúdos - o diálogo entre pai e filho em que se fala, entre outras coisas, de saliva, ouro, lata e António Variações; a irresistível e lenta "Rãs nos Aposentos de Reis", com uma letra que apetece cantar como quem entoa um novo hino à humildade; "Homens de Água", a faceta "canção pop perfeita" de Cavaco-Guillul, que faz exigir um concerto para breve onde possamos cantarolá-la em uníssono; "Casa com vista para da trincheiras", duros lembretes para os dias de apocalipse.
(Nota de intervalo: aqui chegado começo a pensar que as minhas canções preferidas são quase todas as do disco. Bicho que é bicho faz escolhas. Vai ter de ser).
"Contigo sou sempre agradecido", com Samuel Úria, é a que levo para a ilha. Das melhores canções da temporada. Com uma samplada de Ratos do Porão, funcionando perfeitissimamente quando cruzada com os doces versos de gratidão ditos pelo cantor de serviço, é a música que todo o bom namorado deve enviar em mp3 (agora que já não há cassetes de amor) à sua amada, do dia ou de uma vida; "Estás casado com o Estado", asfixiante tema que, misteriosamente, dei por mim a cantar hoje de manhã ao pequeno-almoço; "Xungaria no Céu", o regresso aos temas que a família toda aprecia, não fosse ela atravessada por um sample infantil (parecendo falar em "Pudim"); O rap "Alguém Perdeu o Ferrão" que é como quem diz o "refrão".
Mais setinhas em direcção ao céu: para os samples cinéfilos, tugas e americanos, bem semeados, para um difuso e importante sentimento de gratidão para com uns rapazes, também eles generosos, chamados Beastie Boys e ainda para a produção do disco, muitíssimo apurada, feita em parceria com João Eleutério. Parabéns, Cavaco!
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