Frases feitas quem as não usa? São uma tentação feroz que, facilmente, nos alicia e a que, irreflectidamente, nos rendemos.
Uma frase feita não inova. Inferioriza, repisa e não serve para reforma. Com ela o mundo não pula nem avança. Estagna. É um desperdício de tempo. Embora, também, sirva para o ganhar. Não dá em nada. Ou adianta muito pouco. Dar-lhe atenção é favorecê-la. Um desmazelo.
Em relação a frases feitas há as que são verdade, mas, também, há as outras, as mais perigosas, as que são só meia. Exigem um cuidado redobrado, para o qual não existe sinalética.
Por regra, a frase feita fixa-se e transmite-se por processos parasitários de acomodação. São uma retórica repetitiva. Para gente pouco corajosa e ávida de comodismo.
A frase feita tem fôlegos de felino e expediente de profissional da propaganda médica. Permanece. Já deu provas e depois ficou a viver de rendimentos. É uma velha glória. Uma estrela jarreta a polir os óscares ganhos e a viver por conta do antigamente.
Podíamos falar indefinidamente sobre elas. Frases feitas há muitas! De todas as épocas e proveniências. Para todas as necessidades e de todos os géneros.
São inocentes, ou não? Bem, isso depende da perspectiva.
São um engodo. Acha-se. Isso é certo. Suspeita-se. É fácil cair nelas. Aliás, os gostos não se discutem e há gente para tudo. Perdão! Que exagero. Dúvidas houvessem… Já risquei! Não voltarei a usar mais nenhuma frase feita, embora esteja consciente de que quando menos esperamos... Digamos que a excepção confirma a regra. Pronto, pronto, adiante... evitemos as picardias.
A seu favor? As frases feitas sustentam expectativas. Alimentam a falta de imaginação e não exigem investimento.
Contra si? O que têm para dizer é insuficiente. Não acrescentam. É chover no molhado. Na melhor das hipóteses confirmam. E servem, habitualmente, propósitos básicos de quem, ainda, tem menos para dizer. Ficam-se por insinuações. Dispõem e disponibilizam informação limitada. Comunicam pouco sobre as coisas. Mas, muito sobre nós. Pelo menos mais. Ilustram um perfil. Nesse pouco que dizem quando não dizem, exclusivamente, de nós afiançam:
Não há amor como o primeiro
Será? Não escondo a minha desconfiança.
Abrisse eu uma excepção para uma frase feita e diria que:
O primeiro milho é dos pardais
Então, não há amor como o primeiro? Fosse isso rigoroso e estávamos todos casados com o anjinho de asa anafada que se sentava, confidente, na berma da secretária da professora que parecia ter o exclusivo da eau de toilette bien être de 500ml. Aquela a quem se surripiava os totais das divisões na escola primária e se lançava ais enamorados. A que nos conquistou, inocente, as fronteiras sentimentais em estruturação e passou a salto pela veia cava e aurículos acima, esburacando ventrículos e depois todo o nosso coração, até este não passar de um queijo suíço impróprio para consumo. Lívidos. Logo desde o primeiro dia de aulas, amarfanhando-nos, zombeteira, a sintaxe amorosa irremediavelmente.
Quem quer correr o risco de ficar com a joia resplandecente que aos seis anos dava todas as garantias potenciais de se transformar numa Audrey Hepburn e que acabou uma matrafona da pior espécie de marroquinaria? Uma crisálida arrepiando caminho de borboleta, directamente, para traça.
O primeiro amor é um risco. Uma página para virar rapidamente. Anos mais tarde em encontro fortuito respira-se de alívio por se ter passado ao próximo. Confirma-se que se acredita numa coisa e depois sai outra. Vá lá acertar! Pior do que não saber ao que se vai é não adivinhar como é que fica.
Felizmente não levámos a sério a frase feita e fomos tacteando inseguros as cercanias, incitando-nos com um "Next!" mental.
Não há amor como o primeiro?
Não me parece. Sobre o primeiro amor alardeamos uma apoteose falsa.
Para o primeiro amor ninguém está preparado. Ao segundo, em plena convalescença, já se sabia ao que se ía. O terceiro já conta com a experiência do par anterior. Mas, o primeiro... serve de preparação ou ensaio. É a volta de aquecimento.
Com o primeiro amor engasgamo-nos em pasmo. É um gole traiçoeiro.
Com ele o impacto é imprevisível e de tal ordem que não se tira tudo a limpo. Esse é, aliás, o maior problema. Como afirmar que não há amor como o primeiro quando houve pormenores que nos escaparam, situações de que nem nos apercebemos, embaraços que podiam ter sido evitados, compromissos que eram escusados. Cilindrados pelo encantamento e ultrapassados pelas circunstâncias.
Só concebo alguém dizer que não há amor como o primeiro se especular que a partir desse momento foi a desgraça, a miséria, uma desigual e infrutífera continuidade, incomparável com o arrebatamento inicial. Quanto aos restantes mortais, penso que só podia progredir.
Não há amor como o primeiro?
Não me fio numa frase feita. Não serve para nada. Não é um bom avaliador e, muito menos, assegura largada tranquila. É um passo atrás.
Em relação às questões do amor, em especial. Uma frase feita carece de prática.
No que me diz respeito, acho que me fico pelo último. É a opção mais acertada.
Lamento a frase feita mas, reconsiderando momentaneamente, quem ri por último ri melhor.
Além do mais, XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX. Desculpem! Acho que já perceberam a ideia geral. Poupo-vos a mais uma frase feita.
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