Procurou-me logo pela manhã para me dizer que eu estava errado. Fiquei a ouvir os seus argumentos até à assunção total do meu erro. Tinha razão, não o podia negar. O sucesso do convencimento do outro, que no caso era eu, estava na forma que as palavras tomavam, na nobreza do gesto de querer comunicar e encontrar um desfecho que a todos se adequasse. Durante a sua estadia em Lisboa procurei o alcance dos seus gestos. Depois, descobri que o segredo estava na sua natureza generosa.
Todos os dias, quando nos cruzávamos, ficava com a sensação de que nunca encontraria qualquer ressentimento neste homem. Desfilava pelo recinto com uma humildade genuína, discrição e sobriedade. Ainda assim, todos o tratavam com respeito ou, até, alguma reverência. Fez com que aqueles que o rodeavam acreditassem, convictos, de que tudo estava bem. E da situação mais crítica, cultivava uma oportunidade. O seu optimismo era íntimo da sua honestidade e da sua bonomia.
No mundo empresarial contemporâneo ou, se me permitem, no pós-modernismo, os conceitos são de algodão doce. Se não discutimos dentro de nós, nunca encontraremos a solução e acabamos lambuzados com a nossa gula. Na pequena Lisboa dos negócios há um surto de conceitos que desaparecem como os jacarandás que a enfeitam durante umas semanas. Um mar de arrogância inunda a cidade e a natureza das coisas fica comprometida. Antes de dominarmos os conceitos e de os reconhecermos, é preciso dominarmos a nossa própria índole. Talvez seja essa a propriedade da cultura.
Tal como explicou Mark Twain, não podemos ter a certeza das nossas características morais se nunca fomos seduzidos pela sua perversão. No momento em que desafiamos algumas das nossas mais profundas fragilidades, conquistamos o dia seguinte. Porque, como diz o homem que corrompeu Lisboa, não podemos achar que temos mais força que o nosso inimigo e que o conseguimos vencer de olhos fechados. Há que manter os olhos bem abertos. O nosso maior inimigo tem exactamente a mesma força que nós.
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