De vez em quando aparece um chato a dizer: "Não te chateies tanto. É só um jogo". É só um jogo. Como se os jogos de bola, da nossa equipa de bairro ou da selecção do nosso país, fossem menos importantes do que as coisas sérias, "essas sim valiosas e válidas". É só um jogo, sim. Mas a vida é jogo também. A vida, como diz o Calderon, é sonho. E, já agora, convém ter asas nos pés, como lembram às crianças os Clã, falando também aos pais das crianças. Se alguém me vier outra vez com essa conversa, vou perguntar: já estiveste apaixonado? E se a pessoa disser que sim, com aquele ar de quem faz ballet de nuvem em nuvem, direi, ternamente ressentido: "Não percebo essa cara. É só o amor". É só o coração. É só a emoção. É só tudo aquilo que nos eleva, às vezes perigosamente, como tudo o que é arriscado. Mas viver faz demasiadas vezes aquela vez em que experimentámos pela primeira vez a montanha russa: a partir do momento em que entramos, por mais gritos que se dê, já não há volta atrás.
É só um jogo. Um pouco como toda a vida. Tudo isso para dizer que foi bonito ver as pessoas apaixonadas pela selecção e pelos jogos da selecção. Antes das partidas era um tónico dar uma voltinha: andávamos todos, das oficinas aos bancos, a apostar que íamos ganhar, que íamos fazer isto e aquilo, que o Nani ia ter o seu momento, que o Ronaldo ia fintar todos, que o Coentrão ia entrar pela baliza dos outros. E o que é isso? É sonho. Um sonho que se transformou, felizmente, em tristeza quando acabou. Só quando dormimos mal depois da jogatana da derrota e passámos o dia seguinte a lamuriar o fim da jornada é que percebemos o tamanho gigantesco e imoderado do nosso sonho, da nossa ilusão. Foi bom sonhar, pá. Que nunca nos faltem motivos para o voo.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.