Por questões que me são completamente alheias, tenho de trabalhar 5 dias por semana. Muitas vezes, trabalho fora do horário mas, isso não me aborrece. Incomoda-me - isso sim - ter de me deslocar para fora do escritório, em reuniões com outras pessoas com as quais não sinto, por norma, grande empatia. Aborrece-me, o trabalho. Por mim, passaria todo o dia a falar com pessoas, a dar-lhes opiniões sobre o seu trabalho. Julgo, até, ter boas ideias sobre praticamente todas as coisas. Estas competências nasceram do facto de eu ter visto muita televisão ao longo da vida. Agora, ter de me deslocar a um sítio é muito aborrecido.
Assim foi, num destes dias. Subi uma calçada em busca de uma rua cuja localização desconhecia. Apesar de ainda ser cedo, o calor apertava-me o colarinho, o sol espetava-me a pele e todo o meu corpo era um autêntico jazigo de felicidade. Arrastei-me umas centenas de metros com a pasta na mão. Parei, então, à porta de um café onde estavam dois homens parados. Um deles usava uma bata branca, de farmacêutico, e fumava um cachimbo com um ar muito distinto, pelo menos parecia que estava convencido dessa distinção. O outro homem, com quem conversava, pareceu-me ser o dono do café. Tinha ar de dono do café. Não sabendo eu esclarecer muito bem esta minha impressão, dirigi-me a este último para lhe pedir indicações. Mandou-me subir o forno, meio desconfiado. Tivesse eu perguntado o resultado do jogo e teria ali um amigo para a vida. Mas, "o que é que este gajo anda aqui a fazer de fato e gravata?" pareceu-me terem sido os seus pensamentos mais íntimos. Apeteceu-me praguejar mas, não o fiz, por decoro e por preguiça. O calor aumentava conforme ia subindo a calçada, o que me parece normal, visto estarmos no Verão. Porém, noto muita admiração com este tempo, mesmo nos jornais. Eu cá, por mim, nunca me admiro com o calor no Verão. Acho que é perfeitamente aceitável. Aborrece-me mais ter de me deslocar para reuniões com desconhecidos.
Ainda antes de chegar ao meu destino, sem saber muito bem onde este seria, exactamente, cruzei-me com uma mulher que, olhando para cima, reclamava da situação, do estado actual das coisas. Percebi que estava contra e não perdi muito mais tempo. Segui e lá me encontrei com o destino. Desinteressante. Apressei-me a regressar e pelo caminho reparei que não me havia cruzado com nenhuma criança, até então. O ar estava ainda mais pesado e o dia, um tédio resignante.
Pensei nos dias de Verão em que me estendia sobre a cidade como um turista; em que as conversas que se ouviam eram todas de uma beleza simples. Pensei, também, na liberdade da viagem a sul, sem qualquer destino, a mochila na mala do carro e o sol a clarear as ideias que depois acabariam inundadas de mar e estendidas na areia. Pensei no meu corpo refrescado pelo sal e na languidez dos dias.
Aborrece-me, sobretudo, trabalhar.
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