Claro: somos crescidos, já sabemos como é. Nascemos, morremos, coisa natural, «é a vida» como somos ouvidos a dizer estupidamente nos velórios dos nossos parentes.
É a vida mas é o caralho.
Da vida rejeito a morte. Entendo-a, lido com ela, tenho até a dádiva da Fé. Mas não me obriguem a aceitá-la, não me obriguem a resignar-me num final tão chocho, tão previsivel, tão foleiro.
Eu escrevo zangado. Estes dias têm levado muitos que conhecia e privei. Leio dilacerantes declarações públicas de amor de um amigo e mentor e, mesmo através daquela sábia e terrível beleza, percebo o desespero, o náufrago envergonhado que anuncia a deriva que sempre sucede à perda.
O que nós contemos é demasiado para acabar. Acredito que a imortalidade possa ser uma grande maçada, ainda por cima sabendo que nós humanos não somos flores que se cheirem. Mas admitamo-lo: viver sabe a pouco, mesmo quando se morre de excesso de vida.
Não há refúgio possivel nestas alturas: leio Unamuno, leio Séneca, leio a minha Bíblia e não há santuário nem consolo. Depois passa. Mas volta, volta sempre.
Estou zangado. Apetece-me grafittar esta cidade que está luminosa com a frase do Sénancour: «Se é do pó que viemos e é para o pó que vamos façamos que isso seja uma injustiça». Mas em vez disso tenho de fazer um perfil jornalístico de alguém que conheci e gostei e reler as suas entrevistas antigas e voltar a reencontrá-lo nas palavras que sobreviveram ao pó.
Eu sei que a vida é injusta. Mas não me obriguem a aceitar a morte.
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