Domingo, 13 de Maio de 2012

A vida tem morte a mais

Claro: somos crescidos, já sabemos como é. Nascemos, morremos, coisa natural, «é a vida» como somos ouvidos a dizer estupidamente nos velórios dos nossos parentes.

É a vida mas é o caralho.

Da vida rejeito a morte. Entendo-a, lido com ela, tenho até a dádiva da Fé. Mas não me obriguem a aceitá-la, não me obriguem a resignar-me num final tão chocho, tão previsivel, tão foleiro.

 

Eu escrevo zangado. Estes dias têm levado muitos que conhecia e privei. Leio dilacerantes declarações públicas de amor de um amigo e mentor e, mesmo através daquela sábia e terrível beleza, percebo o desespero, o náufrago envergonhado que anuncia a deriva que sempre sucede à perda.

O que nós contemos é demasiado para acabar. Acredito que a imortalidade possa ser uma grande maçada, ainda por cima sabendo que nós humanos não somos flores que se cheirem. Mas admitamo-lo: viver sabe a pouco, mesmo quando se morre de excesso de vida.

 

Não há refúgio possivel nestas alturas: leio Unamuno, leio Séneca, leio a minha Bíblia e não há santuário nem consolo. Depois passa. Mas volta, volta sempre.

Estou zangado. Apetece-me grafittar esta cidade que está luminosa com a frase do Sénancour: «Se é do pó que viemos e é para o pó que vamos façamos que isso seja uma injustiça». Mas em vez disso tenho de fazer um perfil jornalístico de alguém que conheci e gostei e reler as suas entrevistas antigas e voltar a reencontrá-lo nas palavras que sobreviveram ao pó.

Eu sei que a vida é injusta. Mas não me obriguem a aceitar a morte.

publicado por Nuno Miguel Guedes às 02:21
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5 comentários:
De cs a 13 de Maio de 2012
a morte que a mim já me levou tanto que até parece que de mim levou pedaços não a quero por companhia.

A crueza com que me presenteia a finitude da vida e a sua própria eternidade faz-me zangar , também.

cs
De andreia am a 14 de Maio de 2012
Assino por baixo Nuno.
De Sofia a 14 de Maio de 2012
"A vida tem morte a mais"
Não precisei de ler o texto para saber que ia gostar.
De José Maria Barcia a 7 de Junho de 2012
Meu caro Nuno, grande texto. A morte é, de facto, uma coisa que não se pode aceitar. Sabendo de antemão que ela vai chegar, quando chegar não vai ter vida fácil. Rejeite-se a morte. Se possível esmurre-se a morte. Ela não merece menos. E quiçá, aí, seja mais fácil encarar a morte - como uma inimiga que não queremos deixar de ter.
De Carla Ferreira a 7 de Junho de 2012
Muito bom texto.

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