Existe uma cultura generalizada de que não se deve pagar a cultura. E não, não falo apenas do Estado, do vilipendiado Estado nestes dias em que o premiado cinema português espera o apoio que está, muito troikianamente, a perder (e bem merece tê-lo, caramba! - dentro de um quadro mais justo, claro, e com composições de júri e opções mais equilibradas nos Olimpos cinéfilos). Falo também das pessoas - isso: os cidadãos - que querem demasiadas vezes ir ver espectáculos sem terem de pagar os míseros euros dos bilhetes. "Não se arranja um bilhete à borla?". Não. Não se arranja. Ou não se devia arranjar. Porque o bilhete muitas vezes até só custa três euros (há cada vez mais espectáculos a custarem isso) e, em vez de gastar os trocos no croissant com queijo e a meia de leite da manhã, é bom pagar aquilo que se vai ver, seja um espectáculo de teatro, um filme ou um festival de bandas alternativas. Porquê? Porque é justo pagá-lo. E por uma questão prática. Porque, se se assim não acontecer, deixa de existir palhaços. Ou performers. Ou actores. Ou realizadores. Ou técnicos de som e pós-produtores. Simples. Acabo de fazer um filme com meios mínimos e sei o que custa: temos sempre de andar a puxar a carroça e a entusiasmar os participantes - entre técnicos e criativos - de que vai valer a pena o esforço. Com frequência entre a meia-noite e as quatro e meia da manhã, que é quando eles, generosamente, arranjam um tempinho, fora dos horários de trabalho, para contribuirem para a causa. Basicamente não funciona. Ou funciona muito mal.
Muita da cultura custa dinheiro a fazer. E por isso deve ser paga. É esse o ponto, ou o meu ponto. E - admitamo-lo sem merdas - "a cultura" é um gesto essencial à nossa sobrevivência. Conheço pouca gente capaz de sobreviver sem arte, sem ouvir e ler histórias, sem se emocionar com a recriação das suas vidas - das luzes e sombras disto de andar vivo - que as várias modalidades artísticas (desculpem a pompa) permitem.
Fui ver o "Tabu" e encontrei a salas cheia e com uma reacção atenta e entusiasmada. E, meus queridos (falo para todos, até para mim próprio), os "tabus" pagam-se. Custam dinheiro. É preciso pagar ao pessoal para os fazer - desde aquele que teve a ideia inicial ao que fez os apuros finais, mesmo antes da entrega da primeira cópia para exibição. Não aparecem feitos. Se queremos continuar a vê-los é importante que se promova ideia - seja através do Estado, seja através dos privados, seja através dos espectadores - de que é decisivo pagá-los. Sem isso podemos morrer à míngua. De cultura. Que é uma forma particularmente indigna de morrer.
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