Há dias, num café: um rapaz, duas raparigas, o jornal desportivo na mão do rapaz, elas queixando-se de que aquilo não tinha nada para ler, ele a chegar à página onde se falava da eliminação do Barcelona da Champions e o consenso por fim encontrado: eram todos do Barcelona. Ele, que era do Benfica, mas que explicou que: “o Barcelona é a minha segunda equipa”; uma delas, que era do Sporting, mas que disse que “também a minha”; a outra, que nem gostava de futebol, mas que achou por bem completar o momento de harmonia com um lapidar “ahã”.
Foi ali, com aquelas três alminhas, mas poderiam ter sido outras, noutra parte qualquer. Nos últimos anos, o Barça teve muita saída. Como os iPhones ou a nespresso. Deve ter acabado quarta-feira.
A relação de uma pessoa com um clube desportivo não é um estado de alma. Eu não estou do Alverca hoje e amanhã do Bombarralense. Também não é uma coisa que se tenha porque, se fosse, poderia perder-se. O uso da Língua é muito claro neste ponto: nós dizemos que “somos” dum clube. Eu sou do Bombarralense. Eu sou do Comércio e Indústria. Eu sou do Benfica. Ser. Identidade. Ser de. Pertença. Não se é uma coisa e outra diferente ao mesmo tempo. Chama-se Princípio da Não Contradição, mas não é preciso ter estudado Lógica para o saber; qualquer criança o intui. Ela é o Pedro; razão pela qual não é o Jacinto nem o Manel.
Ser dum clube, como sabem todos aqueles que verdadeiramente gostam de bola, não é uma decisão que se tenha tomado. Nada na essência de cada um de nós o foi. Ninguém decidiu que seria rabugento, sonhador, medroso, contemplativo, chato, interessante, et cetera. Um tipo é o que é; parte património genético, parte milagre, parte acaso. É alto, teimoso e sportinguista. Não decide tornar-se alto, teimoso e sportinguista.
Pode gostar-se do Barcelona, da forma como joga, da História do clube, do espírito, dos jogadores que tem. Mas ser dum clube estrangeiro como se é daquele de quem se é desde pequenino? Ao mesmo tempo? Em time sharing? Ser do rico, famoso, que se vê na televisão, como se é da malta do bairro?
A bissexualidade futebolística, leitor, é uma coisa que não me entra.
Chamem-me antiquado. Em pequenino, jurei ao Diamantino que era para toda a vida.
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