Dizia há dias um estudo que há cada vez menos católicos. Não duvido. Duvido é que haja cada vez mais ateus. A malta gosta de se armar em durona. Qual adolescente em furiosa afirmação pessoal, gaba-se da sua ciência, do seu banho de mundo, da sua lucidez, da sua tecnologia, enquanto troça dos tontinhos que ainda vão à missa e ouvem a Renascença. Porém, debaixo da ilusão do cepticismo, da maturidade, da razão, nunca foi tão absurdamente crédula como agora (sublinhe-se a diferença entre crédula e crente).
O vulgo moderno revoltou-se contra a religião dos papás e abraçou o tutti-frutti da espiritualidade. Ele, basicamente, acredita em tudo. Tudo menos – Deus nos livre – o que seja católico.
Ele acha o Budismo uma escola de vida, o yoga uma prática extraordinária, os deuses hindus um mistério fascinante. Apercebeu-se de que há um karma na sua vida. Tem agora a casa cheia de velas com aroma a cedro para se libertar dele. Quando tem tempo, faz meditação (sim, porque, para ele, “rezar” é a coisa mais careta do mundo, mas “meditar” já é toda uma outra conversa). Anda a tentar equilibrar os shakras. Frequenta gurus, terapeutas e massagistas-que-sentem-coisas. Já foi a uma consulta de numerologia e a muitas de astros. Lançaram-lhe as cartas, leram-lhe a sina, fizeram-lhe o eneagrama; para a semana, tem marcada uma constelação familiar.
Desde que foi à Índia, despertou nele uma espiritualidade inquietante. Anda a tentar descobrir o que foi na outra vida. Tem muito respeito pelos islâmicos. Acha que não devíamos ir lá meter-nos com os princípios deles, que não se deve brincar com o facto de serem poligâmicos e esconderem as mulheres e lapidarem as adúlteras. A Igreja Católica é que é uma vergonha, que não autoriza o preservativo.
Tem em casa uns budas e pedras para diferentes ocasiões (uma que afasta o mau olhado, outra que atrai boas energias, outra que o faz estar bem consigo mesmo). Reorganizou todo o apartamento de acordo com o que lhe explicou uma amiga acerca do feng-shui. Vai lendo uns livros tipo “O Segredo” e tenta segui-los à risca. Alimenta-se de acordo com um plano rigorosamente adequado às necessidades energéticas do seu corpo. Espalhou incenso pelo andar. Tatuou um Vishnu na omoplata direita e um Shiva na esquerda.
Reserva bilhetes na primeira fila para ouvir o Dalai Lama na Gulbenkian, mas acha uma vergonha que se feche o Terreiro do Paço para o Papa. Não compreende que faz aquela gente toda em Fátima enquanto compra um bilhete para o Tibete.
No Brasil, disseram-lhe que tem um anjo e, desde então, que lhe parece senti-lo. Bebe um chá às terças-feiras que dizem que purifica e tem momentos em que, quase, quase consegue ver a aura das pessoas.
Acredita no PT e no psiquiatra, no poder curativo do pensamento positivo e a verdade é que, da última vez que lhe lançaram os búzios, acertaram em quase tudo.
Tem pena da mãe, que ainda acha que vai para o céu. E do pai, que tem medo de ir para o inferno. Estava capaz de acender uma vela de cedro por eles ou de meditar um pouco em volta da ingenuidade dos velhos. Mas são um caso perdido. Comem tanta carne vermelha.
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