Eh pá, morreu o Millôr Fernandes.
A nossa vida toda, passamos grande parte dela enfiados num fato, numa caixa, num carro, de um lado para o outro, aos círculos. Temos cartões para aceder a tudo: à ponte, ao estacionamento, ao trabalho, ao dinheiro, ao desconto. A nossa rotina está padronizada, registada e arrumadinha. Habituámo-nos à organização, às organizações, à coerência, tudo para evitar o embaraço, o deslize. Mudamos tudo à nossa volta. Tomamos decisões de ano novo. Somos especialista da especialização e mestres do disfarce. Falta-nos o tempo para sermos mais justos connosco próprios.
Aprendi com a cultura brasileira, que me foi chegando, a não deixar a gravata ser uma parte de mim. Aprendi com Vinicius, Celso, Machado de Assis, Chico e tantos outros a viver o grande tempo, a disponibilidade, a generosidade, a amizade, o céu e o mar. Aprendi mais sobre a vida numa frase do Millôr do quem em mil discursos de circunstância. Porque a vida não é uma circunstância; circunstância é estar-se vivo e com isso é difícil de se lidar.
A regra, a regra mais fundamental de todas as regras, é não nos levarmos demasiado a sério. É cultivar a bondade e o perdão, saber rir e gostar de fazer rir. Nunca podemos esquecer o riso - o pai de todos os equilíbrios. E que a palavra seja o nosso vício, a palavra livre que rasga o embaraço e inventa a liberdade, que mete a rotina no seu devido lugar e nos faz sair disparados pelo céu à procura de algo mais puro - o ar, que seja.
Adeus, Millôr. E muito obrigado.
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