Ai o que me irritam as senhoras e cavalheiros que dizem gostar muito de dormir. O que me abespinha o ar preguiçoso e presumido dos amantes do sono. Aquelas boquinhas a abrir acompanhadas duma simulação de pancadinhas nos mórfios lábios como se estivessem a reter o amado soninho mexem-me com o sistema nervoso, alteram-me o ritmo intestinal, causam-me cáries, provocam-me hemorróidas.
Quem diz que gosta de dormir é uma besta, pronto. Não me abespinharia muito com a cretinice se o cidadão amante do sono acompanhasse a sua declaração de amor com um pequeno peido e suspirasse “gosto tanto de fazer cocó”, ou acariciasse o respectivo órgão do aparelho urinário e, com um arrepiozinho, manifestasse o seu amor por uma vigorosa urinadela, ou soprasse nas unhas para anunciar ao mundo o que gostava de cortar as ditas, ou que achasse importante comer para não morrer à fome, ou beber para não morrer à sede, ou ter roupa quando está frio, ou de ter um isqueiro quando quer acender um cigarro. Pronto, a criatura estaria numa fase de redescoberta das coisas que permitem a qualquer animal de duas patas manter-se vivo (sim, alguns de nós precisam de cigarros para viver sem estar a pensar de dois em dois minutos em suicídio). Não é que deixasse de ser um redondo imbecil e me não estivesse a fazer pensar que as máquinas de tortura medieval foram abandonadas antes do tempo, mas, enfim, todos temos de aturar uns discursos idiotas de tempos a tempos.
Como sou uma alma caridosa, sempre disposta a ajudar o próximo, mesmo que o próximo me dê vontade de lhe encher a cama de urtigas a ver se dormia melhor, vou sugerir uma mezinha aos amantes do sono: 2 Kainevers de manhã e outros dois à noite. Dormiam vinte e três horinhas, o que deve ser uma espécie de Nirvana para eles, e, de caminho, não me massacravam a úlcera.
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